O sistema eleitoral brasileiro possui várias características que tornam o processo democrático falho, distorcido e tendencioso.
A intrusão de interesses da iniciativa privada, na apresentação à população de candidatos a cargos políticos, transforma o que poderiam ser escolhas independentes em escolhas inconscientes, frutos da manipulação da opinião pública.
Isso se dá pelo sistema de financiamento das campanhas, pela propaganda desigual, pelo marketing, pela sugestionabilidade das pesquisas de opinião e pela falta de transparência.
Os candidatos a cargos políticos recebem doações da iniciativa privada para financiar suas campanhas eleitorais. Infelizmente, poucos são os empresários (ou mesmo, em alguns casos, criminosos) que têm em vista o bem-estar da população como um todo, ao investir em um ou outro candidato. Via de regra, depois de eleito, o político irá, de alguma forma, ilegalmente, retribuir o favor a quem contribuiu para colocá-lo no poder, em detrimento dos interesses da população. Além disso, como a desonestidade de um político como esse se torna evidente, o mais provável é que aproveitará sua posição para beneficiar também a si próprio, praticando corrupção e desvio (roubo) de recursos públicos a que terá acesso.
O financiamento das campanhas é usado basicamente na propaganda. Os candidatos investem em marketing, para apresentar-se como o melhor “produto” para a escolha do cidadão. Publicitários profissionais são contratados, e a atenção se desloca, das questões problemáticas da sociedade e a maneira com que cada candidato se propõe a lidar com elas, para a criação e difusão da imagem mais atraente. Através de jingles, imagens cinematográficas, slogans, sorrisos em abundância, e todos os demais elementos da publicidade, repetidos à exaustão na mídia, as candidaturas são “vendidas”, num jogo de aparências que manipula o eleitor, produzindo e recorrendo a uma emotividade que nubla a tomada de consciência necessária para se fazer a melhor escolha.
Como se não bastasse, as doações podem ser anônimas, sendo revelados os nomes dos doadores meses após a conclusão das eleições, o que denota uma danosa falta de transparência.
Na proposta de financiamento público de campanha, combatendo as distorções dos investimentos privados, as verbas são divididas entre os diversos partidos e candidatos, assegurando igualdade ou proporcionalidade de verbas direcionadas à propaganda eleitoral. A apresentação dos candidatos seria estritamente limitada a discursos, sem músicas e sem nenhuma imagem além da do emissor da mensagem. Com o mínimo gasto, cada candidato teria um tempo para falar, ou convocar personalidades para falar, num estúdio modesto – compartilhado por todos – e sem qualquer elemento de marketing. Dessa forma, a população poderia se concentrar nas questões, nas propostas e históricos dos candidatos, atendo-se a uma abordagem mais objetiva. A austeridade do formato de apresentação garantiria o menor dispêndio possível para os cofres públicos.
Poderia ser levantada a objeção de que, caso o Estado fosse o provedor das verbas para a propaganda dos candidatos, os governantes da situação privilegiariam seus correligionários, em detrimento da oposição. Porém, isso seria facilmente percebido e sujeito a denúncias, pela própria natureza da publicidade. A propaganda é feita com o objetivo de chegar às pessoas, e, se um partido ou candidato tiver mais espaço que outros, isso se tornará evidente. Além disso, as leis devem ser feitas para serem as melhores e as mais justas, independente de serem fáceis ou difíceis de cumprir.
Outro problema grave surge quando o candidato que está no poder se utiliza de recursos públicos para financiar propagandas de seu governo. Não se trata, aqui, da proposta de financiamento público de campanha, uma vez que, nesta, os recursos são divididos entre os diversos partidos e candidatos. No caso da propaganda estatal, somente um lado da questão é apresentado, o que configura uso da máquina de governo para autopromoção, desequilibrando as forças eleitorais, com dinheiro que deveria ser aplicado em outros fins, verdadeiramente úteis à condução dos assuntos públicos.
Ainda nesse sentido, as pesquisas de antecipação de voto, chamadas “pesquisas de opinião”, são usadas como elemento de convencimento nas peças publicitárias. O candidato com maior índice de intenção de voto se beneficia, ao apelar para o desejo inconsciente (ou, em alguns casos, consciente) que todo ser humano tem de estar do lado dos vencedores. Ou, ainda, pode haver uma espécie de delegação do próprio voto para a percepção da maioria – uma renúncia à responsabilidade de se empenhar, por si mesmo, na reflexão necessária para escolher bem. Outra questão que se coloca é a confiabilidade dos institutos de pesquisa, cujas atividades são difíceis de ser fiscalizadas – sujeitas, portanto, a se tornar peças no jogo de interesses das candidaturas endinheiradas. Portanto, pesquisas de opinião deveriam ser proibidas. Poderia ser alegado que tal proibição feriria a liberdade de expressão e informação. Porém, dado o teor de sugestionabilidade dessas pesquisas, o que seria direito à informação transforma-se em manipulação. Trata-se de uma informação que não é verdadeiramente relevante, mas, ao contrário, danosa.
Em conclusão, algumas das falhas do processo democrático brasileiro podem ser amenizadas pela separação entre interesses privados e públicos, e pela limitação dos recursos de marketing aplicados à apresentação das candidaturas.
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