N'água e na pedra amor deixa gravados
seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas e mais nuas.

"Entre o ser e as coisas"
Carlos Drummond
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quinta-feira, 14 de julho de 2016

O ar cristalino


Sempre houve diferenças entre seus pais. As brigas ocasionais, ao longo dos dezessete anos de sua existência, o incomodavam muito. Era como se, antes de nascer, tivesse vivido em uma espécie de comunidade alternativa utópica, em que só paz e amor pudessem ter lugar.

Nos tempos recentes, o volume habitual das discussões vinha aumentando, assim como a frequência e a passionalidade. Até os xingamentos, muito espaçados anteriormente, agora se reproduziam de maneira estarrecedora.

O garoto ouvia as mesmas ofensas nas conversas da família, dos amigos e dos colegas. Eram idênticas às que se multiplicavam nas redes sociais e na mídia. Todos pareciam tomados pelo mesmo vírus, que apenas escolhia palavras diferentes para disseminar seu veneno nos organismos.

Por algum motivo, ele parecia imune à epidemia. Mas com tanta balbúrdia por todos os lados, mal encontrava brecha para se expressar. E, após testemunhar tantas disputas, imerso na onipresença de opiniões exacerbadas, tinha o que dizer. Não era muito, mas resolveu que aproveitaria todas as chances verdadeiras que se apresentassem.

Esgueirando-se pelas pessoas com quem cruzava, buscando aberturas nos ouvidos que passavam a seu alcance, foi conseguindo falar.

“Vocês querem as mesmas coisas. Querem uma vida melhor para vocês e para todos. Isso é o que importa. Talvez um esteja com a razão, talvez o outro, ou talvez os dois tenham um pouco, a seu modo. Mas enquanto se ocuparem com apontar o dedo uns para os outros, se esquecerão do essencial, que é a humanidade compartilhada por todos nós.”

Sua voz nem sempre penetrava nos ouvidos, trancados pelo lado de dentro. Às vezes entrava por um e saía por outro, sem ser registrada. Mas o vento a transportava a todos os que se abriam a ela. Em alguns, sua doçura exercia um efeito calmante. Em outros, estimulava o discernimento, apresentando uma perspectiva diferente, ou acendia uma luz de esperança. Mas sempre, de maneira misteriosa, parecia limpar o ar. Até os seus próprios ouvidos passavam a ouvir melhor, já que não era mais preciso gritar para ser entendido.

O garoto se contentava com dizer e ouvir, no humilde alcance das vozes, aceitando que mais do que isso estava além do seu controle. Ele se lembrava de Fernando Pessoa. Estava experimentando de uma nova forma as palavras dele:

“Só de ouvir passar o vento vale a pena ter nascido”.

sábado, 2 de julho de 2016

O ônibus e o pincel


O ponto estava vazio. Era possível ouvir o ronco dos motores dos carros solitários a uma longa distância. Uma agulha caindo no chão teria o impacto de uma bolsa cheia de pedras durante o dia. Ela rezava, olhando constantemente à sua volta, da maneira mais discreta possível.

Um vulto surgiu virando a esquina. Vinha com passos lentos em sua direção. Ela se paralisou. Espiava agora com o canto dos olhos. A batida dos pés ganhava volume e sua respiração se alterava na mesma proporção.

A poucos metros de distância, o vulto parou. Mais próximo do asfalto, tinha as costas viradas para ela. O coração ainda latejava. Minutos passavam como se fossem horas.

Um ônibus despontou ao longe, resvalando-lhe esperança. Não era o seu. O homem de costas também não deu sinal. Virou-se para o seu lado e, lentamente, sentou-se, a um metro de distância, sem olhar para ela.

Mais um ronco alto. Ela ansiava pelos números certos. Tinha a sensação de carregar uma cartela de loteria. Ganhar seria um improvável golpe de sorte. Quando o seu transporte chegou, à revelia de seus receios, ela finalmente venceu. Uma vitória com gosto amargo, beirando o insignificante em uma luta imensurável.

Aliviada, dentro do coletivo, lembrou-se da amiga de sua irmã. Resolveu, ali mesmo, mudar de ideia e aceitar seu convite. Já tinha cartolina e pincel atômico em casa, e sabia o que escrever.

sábado, 7 de maio de 2016

O reino das miopias

Neste reino incompreendido,
todos os espaços são distantes.

No chão torto que pisamos,
prisioneiro da névoa,
oscilam olhos frágeis
que erram na busca
e tudo o que encontram
são figuras de Monet.

Contentem-se, olhos desprovidos,
com a acuidade que lhes foi concedida,
guardem a humildade de suas restrições.

Aproveitem que,
no reino das miopias,
os olhos podem se tornar
mãos estendidas em dádiva,
e a dádiva é tudo o que portarão.

Olhos cerrados
arranham as pestanas
e inflamam as palmas,
escapam do erro
caindo no nada.

Deleitem-se
na visão imperfeita,
nos dedos a florescer,
nas peles que se tocam
e não se penetram.

Neste reino,
desdenhar a miopia
é ser cego no despenhadeiro.

sábado, 30 de abril de 2016

Atravessar o vazio

A beleza,
inventário das experiências,
se ergue, se curva e me bate,
como um tapa num rosto sonolento,
com a força dos recém-nascidos.

É esquivo o norte
no atalho mal iluminado
do solo da ilusão.

Com passos bambos,
na relutante vivência
da excruciante contradição,
avisto as peles que se tocam
e jamais se atravessam.

Sem poder escapar
da penosa dualidade,
elas se desviram e desdobram,
sem apoio e sem efeito,
só lhes restando consolar-se
no espaço entre duas visões.

segunda-feira, 25 de abril de 2016

domingo, 7 de fevereiro de 2016

Movimento em pelo

Ele se evade pelos poros
e fendas dos dedos mínimas,
como o rio que se atira
e abala, em respingos alados,
o poço plácido e quieto,
irrompendo um novo curso.

Não é próprio
da fúria de sua fluência
estorvar-se nos diques
de rotas e arrefecimentos.

Nele não sobrevivem líquens,
seu fluxo é pesado
como o tempo que tudo carrega
em seu dorso nu,
capturando e devolvendo,
absorvendo e decantando.

Sua fonte é segredo do terreno,
sua única posse é o movimento.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

A esperança é uma rebeldia

Diante do quadro pouco hospitaleiro
que se desenha áspero aos nossos olhos
e nos envolve como uma crisálida opressora,
a esperança é uma rebeldia,
resistindo com força dilacerada,
e por isso não plena,
atravessada pelo cenário inclemente
da ferida universal.

Sejamos rebeldes,
com o peito furado,
avançando rumo ao fogo cruzado
com o escudo da paz,
alvejando fraternidade e
desafiando, com gestos de afeto,
a desolação que se quer vencedora.

terça-feira, 1 de setembro de 2015

O leme roto dos meus passos

O amor é como andar num lago congelado, cuja superfície nunca se sabe se vai se estilhaçar sob os seus pés. A sua entrega é como um sol que se aproxima e te arde, te enche de vida e de espasmos, sobressaltos no chão que se grudava aos seus pés e começa a escorregar, a transpirar, fica mais fino, refletindo como o gume afiado de um punhal essa luz que cega e desnorteia. Eu dou um passo, qualquer passo, mas não alcanço as margens, sequer as vejo, é tudo clarão e sol e gelo derretendo.

Mas nada disso parece importar ao meu amor. É como se suas solas fossem mais frias do que o cume das montanhas, regelando sem medo o que pisa, tudo abaixo de suas pernas solidez e espessura. É como se o que me separasse do fundo daquelas águas fossem somente suas mãos ásperas que me seguram como garras a uma presa. Eu não quero mais deslizar nesse arremedo de solo, girando desgovernada a confiar em braços que podem não ter tanta força assim, tanto fôlego assim. Nunca reparei se eles são torneados. Os seus dedos são leves e obstruem a percepção de qualquer traço de intumescimento, ainda que poderosamente comandem os meus poros rendidos. É desse poder que preciso fugir, é dessa mescla de gelo e sol que subtrai todas as certezas, é desse ardil de um deslumbramento  que me deixa a todo o tempo suspensa e sem aprumo.

É se afastando do abismo que irá atravessá-lo? Não confia na confecção de suas próprias redes? Esse chão não precisa ser gelo e esse sol não precisa incinerar o coração dos seus alicerces. Você é o seu próprio solo, e o seu material pode ser temperado como o aço da siderurgia mais pura.

Eu não possuo o segredo dos metais, nem o sangue dos viadutos. O sol sobre o meu corpo é o mesmo que queima o rosto dos vampiros, meu gelo é o da temperatura que pulsa no limite da fusão. Suas palavras se chocam com o meu entendimento, seu tom sincero não penetra as veias do meu otimismo moribundo. Dele só restam artérias que se rasgam em fendas, tingindo a pele de um vermelho que se desbota como a palidez crescente do meu peito em seu compasso lento.

Eu vejo cor e movimento em seus condutos expostos, névoa imprópria entre suas pálpebras e um colar de espinhos que se descola de sua garganta a cada grito baixo com que destila a sua angústia. Se mirasse num espelho limpo suas feições no fluir dos desabafos, observaria a tez corando e olheiras se desvanecendo, ainda que a sutileza das alterações não registrassem na vista qualquer diferença. O meu olhar e a minha escuta são esse espelho, sua presença e fala vigorosa a sua mirada. Não fujamos desse lago e do desafio de suas águas. Sejamos nautas de nossos próprios barcos, construídos com paciência e esmero na companhia do tempo elaborado, feito amigo na intimidade da confidência.

Os remos se esquivam do aperto de minhas mãos, que clamam bandagens para as linhas retorcidas de suas palmas. Os ventos se alternam entre tornados e calmarias totais, numa instabilidade misteriosa que ultrapassa qualquer meteorologia. Não sei se esta jangada sustentará a carga das minhas obscuridades, mas ofereço, no limite das minhas forças, o leme roto dos meus passos à travessia de linguagem a que nos lançamos.

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

O cálculo do fim

Há algum tempo
que, vendo números,
vejo pessoas.

Não são os números
enumerando as pessoas,
são as pessoas
humanizando os números.

Alguns números
procuro em toda parte,
por serem os seus números.

Mas fatigado
por ver apenas os números,
e não você,
quero retirar deles a humanidade
que lhes conferi,
quero renumerificá-los.

Ao ver um seis,
um onze, um quinze,
um dezessete ou um vinte e seis,

quero ver um seis,
um onze, um quinze,
um dezessete e um vinte seis,

ao invés de ver você,
como vejo agora.

Não quero te ver
quando olho as horas,
quando mudo de canal,
quando aumento o volume
do aparelho de som,
quando mudo de faixa
ao ouvir um álbum,

ainda que na música
eu te ouça cantarolar,
que seja um filme impregnado
de nossos risos e lágrimas,
ou que eu vá pra casa
sempre naquele mesmo horário.

Quero chegar logo
ao dia em que um número
será somente um número,
e para isso, já que humanos
se tornaram, preciso,
como se assassino fosse,
desumanamente matá-los.

Os números, para mim,
serão cadáveres,
transformados em cinza,
jarros frios
carregando apenas
um rastro irreconhecível
de uma humanidade
que, fora de mim,
nunca lhes pertenceu.

Talvez o seu rosto,
descolado dos números,
possa ser, ao contrário,
numerificado,
neutralizado, esfriado
como uma série de cálculos,
de subtrações e divisões
que reduzam ao nada
o infinito que você
me parecia.

Esse é um peso
que está além do poder
dos números,
mesmo os genuínos,
desumanizados,
números, mesmo.

Esse é um peso
que pertence a quem,
num enlevo inadvertido,
os humanizou.

Não te verei
ao olhar as horas,
ao mudar de canal,
ao aumentar o volume
do aparelho de som
ou ao mudar a faixa do álbum,

e, à medida que os números
das horas e dos dias
se sucederem, se repetirem
no compasso que segue indiferente
à humanidade que lhes atribuí,

o seu rosto se desvanecerá,
como a tinta perecível e falha
com que agora,
num arremedo de matemática,
calculo este fim.

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

A dor de uma pedra

Um diamante não polido
é uma pedra.

Mas, acima de tudo,
um diamante não polido
é um diamante não polido.

Chamar de pedra
um diamante não polido
é perder a riqueza
de um diamante não polido.

Assim é com o calcário,
o quartzo e a esmeralda,
e qualquer substância
que se chama de pedra,

pois um calcário é mais que uma pedra,
um quartzo é mais que uma pedra,
uma esmeralda é mais que uma pedra,

e é também mais do que
calcário, quartzo e esmeralda.

Que dor é para uma pedra,
qualquer pedra,
ser chamada de pedra.

O que uma pedra é
não cabe no que é ser pedra.

O que uma pedra é
é o que uma pedra é.

domingo, 31 de maio de 2015

terça-feira, 5 de maio de 2015

O sopro úmido de um bálsamo

Soprarei as crateras da sua pele,
como uma brisa tão úmida e afável,
que a quentura do ardor excessivo
arrefecerá, como efusão de gotas
a dissolver, curando a sede ingrata
de olhos há muito tempo enrugados.

Um alívio brando emanará dos poros
das mais mínimas dores, costurando,
como pontos, o coração dos anseios,
tecendo, com linhas vivas e frescas,
sob o comando das mãos renovadas,
a pavimentação, em amena temperatura,
das mais agrestes veias e afeições.

domingo, 22 de março de 2015

A tocha

Percebo, observando os meandros
do meu discurso, as lacunas
de sentido em que a ofensa,
involuntária e ardilosa, se infiltra.

Empenho-me na busca das palavras
que melhor representem as considerações
que cultivo, imergindo-as no tato
que se desloca de qualquer ferida.

Falar é um salto no abismo
dos entendimentos; quero ser
uma tocha que ilumina a interpretação
e queima a farpa mais escondida.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

O encantamento da segurança

Na primeira vez em que o senti em mim,
soube que poderia ser segura junto a ele.

E tive medo.

Tive medo da segurança 
jamais antes experimentada,
sequer nomeada,
tive medo
porque ela parecia tão próxima,
à revelia de qualquer precaução.

Tive medo porque me permitia
fazer-me indefesa junto a ele,
tive medo porque um movimento
mais brusco seu me partiria.

Meu coração palpitava sem ritmo,
cindida que estava, entre a segurança
com que sua presença me envolvia
e o rastro do passado que me impregnava.

Tantos arranhões e tantas lágrimas
para emancipar-me de todas as
correspondências,
e novamente o abismo defrontado.

O abismo do seu abraço,
do largar-se em seus sentimentos,
tão sem certezas,
tão próprio do reino das apostas,
intangível e involuntariamente esquivo
em sua sedução espontânea
e livre de qualquer alarde.

E, no entanto,
condensando em seu seio
a expectativa da incondicionalidade
e do irredutível desejo de abrigar
todas as dores,
gotejando na hora exata
o bálsamo do afeto,
ele desafiava minhas vitórias.

E é por elas
que me faço fiel à audácia
da minha regeneração.

Derramo em seu peito a força
das minhas vulnerabilidades,
ponho em xeque
a potência dos seus alicerces,
abro-me à chance da queda
ou da segurança
com que desde o primeiro instante
ele me encantou.

domingo, 28 de setembro de 2014

Mulher sentada num banco de praça,
emoldurada por fontes, olhar no vazio


O fotograma vivo no espelho dos meus olhos,
abandonado no vento, obliquamente me fere.

Sussurra-me promessas, aventa um tempo sustado –
não me engana já, nasce e perece de uma vez
seduzindo por puro deleite, espirituoso e incompleto,
rastro de sutilezas e impressões desmanchando.

Meus pés se moldariam em correntes –
não alcançarei em momento ou posto
esta mulher que chamo de minha
numa solução inadequada e manca.

Não possuo o que me foge no instante,
não possuo o perene escape, não possuo o jamais.

Possuir é verbo inconjugável.

Persigo ainda o seu olhar que nada vê e tudo cria,
perco agora e perco sempre sem ter tido embora.

Escarvo o que não sei se virá, inquieto poema em pele –
não capturo a silhueta do que imprecisamente vejo,
não concluo, nada me obedece no concerto de formas.

Amparo-me no incerto que é solitária certeza,
cedo e me entrego em favor da imersão –
celebro o que não se curva ao meu pincel.

Você se esvai em melodia agora, você se vira e me olha,
na candura do sorriso desenha um lembrete do seu desdém.

domingo, 18 de maio de 2014

Perséfone, rainha do Hades

Bela Perséfone, a mais bela das belas, flutuando no ensolarado jardim de narcisos, seu perfume embriaga meus sentidos; não posso senão possuí-lá, descê-la em seu frescor à minha obscura morada; será ali o novo lar dos seus encantos.


Linda e solar, venho arrebatar-te, Perséfone, como você me arrebatou; vamos em minha carruagem de fogo negro, pois já te esperam, rainha, em minha morada; não tardemos, que o pranto ofuscante da terra se aproxima.

 
Sim, bela Perséfone, sua mãe te procura, e não tardará a vê-la; aconchegue-se, por agora, sob o meu rubro firmamento, e receba este fruto, pois aqui, também, se conhece a fartura; morda a sua macia carne, saboreie o tenro agridoce de sua polpa lauta e suculenta.

Faço como me pedes, pois a doçura dos teus olhos negros acaricia-me com a leveza de um estremecimento; surpreendeste-me, num habilidoso movimento, deixando-me, temporariamente, sem escolha; agora, voluntariamente, regozijo-me neste sublime alimento, abrigada no sombreado escarlate de teu afetuoso acolhimento.

 
Não posso voltar, mãe amada, apoderei-me da paixão e encontrei meu novo lar, tornando-me rainha de um obscuro solo; acolherei com minhas suaves asas os viajantes do falecimento, trépidos ou bravos, encaminhando as almas ao destino de seus méritos; a delicadeza da primavera não é já para mim, tenho missão mais sóbria; as lágrimas e anseios dos perdidos serão as sementes de minha lavoura agora.

Querida mãe, o pranto da distância entre nós tornou-se um transbordante poço de anseios; as águas de meu desejo inundaram nossos domínios, pondo em risco a ordem e os passos de suas sombras peregrinas; só me restou, malgrado as súplicas de meu marido amado, estabelecer com ele um doloroso pacto; aqui serei rainha, nem sempre presente, todavia; uma vez ao ano irromperei, como uma fonte cristalina, portando a luz do amor e da saudade, para derramar contigo, sobre a terra, em claras estações, o suave calor de nosso afeto acumulado; em alegria, com todos os seres que respiram, compartilharemos nossa doçura, premiando o labor dos homens bravos e o desvelo das mulheres fecundas.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Audácia

Desgarrado por um momento de suas velhas ambições, ele se abre ao vagaroso florescer de um outro norte; como um propulsor, a afetuosidade instigando o brio latente de uma gema brotando em pássaro na hora exata, primeiro canto se derramando macio sobre a fauna ardente de tantas chagas; ele assume diante de si a tarefa inglória da singularidade almejando contiguidade sem arranhões, desenganado mas renitente, vulnerável a desprezos sustenta a estranha marca de seu rosto na enorme antessala; o solo firme da resolução transmuda seus olhos, firmados em cada pormenor com delicadeza de unguento, a discernir a hora de mirar ou descansar a alma nua de um irmanado qualquer; ele planta as sementes de uma árvore frondosa e ancestral oferecendo sombra aos que se aproximam, pequeno recesso em que galhos e raízes circulam a seiva até os limites de cada espontânea envoltura; é um panorama de cores a sonoridade plástica de seus fugidios pensamentos, penetrando, em ondas de infância cultivada em oitavas, os poros de cinza a dormitar na assombrada face dos que anelam.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Eu te dei adeus
mas você não ouviu.

O seu adeus
já fora dado
sem dar conta.

O adeus que te dei
agora
é o meu adeus,
concreto e abrupto,
flutuando
nos meus olhos,
nítido como gume
na bruma do seu adeus
já diluído.
Quero que você fique bem.
Longe de mim.
Não bem longe de mim.
Bem.
Mas longe de mim.