N'água e na pedra amor deixa gravados
seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas e mais nuas.

"Entre o ser e as coisas"
Carlos Drummond
Mostrando postagens com marcador Música. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Música. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

O sol lança uma sombra dourada na cidade,
luz serena no tilintar assíduo dos seres:
não se precisa de viseiras.
Os olhos se encostam através das brisas,
brincando como sedas esvoaçando.
O som é de canção e cada ouvido se adapta
à sua beleza: todos degustam letras gentis
enquanto argumentos desabam.
Os raios sugerem o passo,
destino em cada grão de areia revolvido.
A chuva vem como unguento disfarçado,
incenso derramado nos sulcos do ar.
A terra se demora elaborando a justa densidade,
dançamos a umidade com sementes nos pés.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

O anjo de sangue

Subo, subo, subo
uma ladeira de névoa.

O anjo me acolhe
numa cabana de canções.

As águas flutuam,
meia-luz fundindo cores;

persegue a queda,
condensa sonhos em sangue.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Como o choro de uma pétala
orvalhando as ranhuras
de um coração envelhecido

dou adeus

sob um sonho de violoncelo
que me treme como cordas
alçando a dor num voo breve.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Canto ao instante que perfura

O balanço dos seus olhos claros, como um sino plangendo na transparência que me encobre, escorrendo na temporalidade como um marulho inebriante inundando as fissuras do comedimento, assinalando a cada curva uma lancinante afronta à tacanha desolação de todos os respiros, na ilusão luminosa de um preciso instante encravando dedilhos na indefesa tessitura de minha alma a tropeçar em seu laço cristalino e úmido, involuntariamente paralisando num agudo improvável a desintegração irreversível do que já não é, na eternidade que esgarça o tempo perfurando a fábrica do incansável movimento.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Ela, despindo-se na noite

Arisca, sopra um manto de aromas macio num alinhar de fendas vermelhas pela neve. Banhando-se em lições de boticário alisa a camada inflamada sem nela encostar. Coberta de pétalas translúcidas acalenta alunos desavisados que tremulantes no escuro se tateiam. Plantando miradas como fios de rio marulhando doces frases, investe penas a colorir com tintas várias papiros envolvendo pedaços de chão. Assovios tomam conta dos ventos imunes a qualquer violência, intimamente expandindo a presença de amores no intangível. O fogo, no centro de cantigas infantis, corta a noite e preserva inocência em labaredas ancestrais. Dentro do azul carícias agarram a vida entrelaçando resíduos de dores, liberando seiva tornam imagens úmidas abrindo caminho no insondável. No prado fluindo um sono luminoso ela acolhe afeição enquanto o magma num balanço escreve no céu.

sexta-feira, 1 de março de 2013

...que salto sem saber se caio ou aterrisso

Você me alcançou na rua escura,
dizendo o que meu olhar não traduziu,
virando o tempo e coroando,
num retoque breve de cicatriz,
os corpos leves em sincronia.

Você me mostrou um novo abismo,
tocha em punhos,
ponte frágil balançando a cada passo,
barítono e soprano
ressonando em todos os naipes,
convidando na mão estendida
o absurdo de um voo fincado
e de uma etérea raiz.

A canção
me acalenta na madrugada
e me conduz no dia,
dentro de mim te toco sorrindo,
espreguiço nos seus olhos
a exclamação de um intangível acorde,
mistério e raio se projetando no claro azul.

* Fotograma de Silver Linings Playbook, de David O. Russell (2012)

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

O acorde das nuanças imortais

O Branco, envolvendo lentamente o rio negro do tempo com todas as cores, incorporando e fluindo numa união-encanto que nutre o âmago insondável das pulsações, toando em onda-melodia a luminância exatamente discreta ou sublinhada, carregando música entre curvas e pontos religados, oferendando em ritmo alternante o escorrer das horas em perene dissolver e reintegrar, assovios-marulho sutilmente esvoaçando o útero de todas as criações,

explode escorchante encadeando uma lira sem origem nem parada, solfejo, murmúrio e grito num composto em que centro e fronteira inexistem, luz no obscuro, raio raro e peregrino.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Os sentidos do vento palpável



“É ótimo ser espírito e testemunhar por toda a eternidade apenas o lado espiritual das pessoas. Mas, às vezes, me canso dessa existência etérea. Não quero pairar para sempre. Quero sentir um certo peso, que ponha fim à falta de limite e me prenda ao chão. Eu gostaria de poder dizer ‘agora’ a cada passo, a cada rajada de vento. ‘Agora’ e não mais ‘para sempre’ e ‘eternamente’.”

- Asas do Desejo, Wim Wenders (1987)

Um mergulho no chão que elástico encrosta,
sangrando penas esgotadas,
numa consequência inversa emendando as pernas,
criando tendões e solas com detritos de asas
em cadência pulverizando farelos de cascas
como areia aderente fixando ideias no solo.

Esquecendo o inexorável movimento
de ventos alheios a qualquer controle
para carregar a densidade vácua das escolhas,
esquivando sem sucesso a incerteza
no escondido encanto da pretérita indiferença.

Encarno o não-saber saudando os limites do horizonte,
no momento as direções se abrem, imediatas
e presas a passos e saltos sem voo –
não enxergo no escuro e sinto sono,
ouço as cordas alvejadas do piano
que pesa e responde a meus dedos com acordes,
tudo me exige estudo,
dobro os joelhos e perco fôlego em escadas.

Não tenho nada além do agora
que foge e retorna a cada instante.

As brisas são carícias,
azul e amarelo se casam na aurora,
frutos exalam gostos,
nenhum silêncio abafa o respiro
da beleza que sem remorsos findará –
não pairo, piso gravidade
furando a terra e vertendo a vida mortal.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Céu vago e silhueta antes do sol

Uma estória não me foge da cabeça.
Desenrola como tapete lilás,
compassando o balanço dos meus pés,
bailarina em brasa a conduzir acorde e vinho.
Todo o chão se colore em música,
tons menores verberando em cordas sustenidas,
bandeira leve tremulando na brisa alecrim.
Ao longe o mar o espera,
interseção de dia e madrugada,
tempo e nota deslizando como sangue ralo,
caranguejo em pele brotando inverso na areia.
A espuma quebra a cada passo, sal preservando,
horizonte de amor em voo
e beleza fraturada sob palha e chuva.

* Fotograma de Abril Despedaçado, de Walter Salles (2001)

sábado, 15 de janeiro de 2011

O sueco é a língua mais bonita do universo

Estava, há pouco, revendo Através de um Espelho, um filme do fascinante país escandinavo, cujos personagens parecem instrumentos e expressam a história em fluência musicada. Parando para pensar e consultar os lembretes da memória, eu diria que vi uns treze filmes suecos. Cineastas suecos? Hmm... deixa eu ver... quantos mesmo? Ah, um. Como posso ter esquecido? Mas, eu dizia, não existe no universo língua mais bonita que a sueca. Alguém, conhecendo parcialmente a minha biografia, diria que a ideia é influência das bandas de Estocolmo e imediações, que eu escuto inflamado. Lesado engano. As referidas bandas, TODAS, cantam em inglês, malfadada dicção semi-universal do mundo pós-moderno. Outro, desconhecendo minha biografia, diria que fui abduzido pelas pornozadas e mulheradas e alouradas, tão afeitas ao espírito viking. Ao leitor das primeiras linhas, revelou-se que a língua sueca me enlaçou pelos sons que produz, inserida no conjunto mais amplo de ar, vibração, entonação, ressonância e imagem. Nesta segunda apreciação de Através de um Espelho, escondi as legendas. Epifanicamente, deparando-se meus ouvidos com uma absoluta privação de semântica, a melodia, o ritmo e os contornos desse Sueco, desfrutados como novos, assombrando-me com toda a força do convencimento, não guardaram lugar para incertezas: Sasom i en spegel. O sueco é mesmo a língua mais bonita do universo.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

O cenário e a eterna recordação

Não suporto mais esta enxaqueca. É tão forte que... meu Deus, será um derrame? Ou... acidente... acidente vascular alguma coisa... cerebral! É isso. Acho que é AVC o nome. Bom, mas acho que não tô tendo, porque se tivesse já teria arrebentado tudo. Ou talvez não... mas não vou levantar daqui, daqui não saio, não arredo um centímetro. Eu já vou estar morta quando eles perceberem... vão se sentir culpados... cara, puta-que-pariu, como é que me vêm com aqueles pedidos! Dois deles! Um casamento... e uma bicicleta. Mas não é qualquer bicicleta não, né, porque o Di tem catorze anos e com essa obsessão por pedalar já quer escalar o Himalaia em duas rodas. E o casamento... ah, o casamento é coisa pouca, nem eu nem ele temos ânsia de festa, champanhe e badalações... no fim, os dois pedidos têm o mesmo preço. E eu... eu só tenho grana pra um... mas e se... não, não dá pra dividir. E pra chegar no dobro vai demorar, eu não tenho tanto fundo pra aumentar reserva rápido... a enxaqueca... não é AVC não... que sono...

"Oh Iaaaa.... Ooooohhhh I'm still alive, ehehe Iaaa Ooooohhh I'm still alive, heeey..."

Não era AVC não... lá vão os dois... nunca vi tanta empolgação por causa de uma banda. Vai ser bom passar uns dias em Sampa. Só preciso aguentar essa overdose até o dia da viagem. E já decidi. Farei o saque lá mesmo.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Música no asfalto

Meia hora depois de deixar meu irmão para almoçar e passar a tarde com amigos na casa da colega, recebi um recado seu, no celular:

"Genalva, vem me buscar que eu estou odiando".

Eu não podia atendê-lo de imediato, fazia compras no supermercado.

Finalmente saí, e quando estava a alguns quarteirões do local, encontrei uma fila estática de carros aborrecidos. O sinal estava verde. Amarelou-se, e passou ao vermelho. Voltou ao verde. Os automóveis, indóceis, buzinavam em coro, resmungando, parados. De novo o fugaz amarelo, de novo o demorado vermelho. E a cena foi se repetindo, num ciclo infernal.

O celular tocou na minha bolsa, exasperando-me com uma melodia chata. "Tenho que trocar este ringtone", resolvi. Aquilo me irritava. Atendi, já prevendo a insistência surda de Gumercindo.

– Cadê você, Genalva? Não vem, não?

– Gu, eu tô presa no sinal, ninguém aqui sai do lugar.

– Mas que saco, Genalva, vem logo!

Como se eu pudesse levantar voo, num carro de filme americano. A impaciência de Gumercindo somava-se à dos carros, e a balbúrdia começava a doer na minha cabeça. Dispensei-o, gritando que eu não era um deus para me teletransportar para onde bem quisesse, com onipresença em potencial.

A essa altura, motoristas saíam de seus veículos e soltavam impropérios para os supostos molengas à sua frente. Começavam discussões. Alguns acendiam cigarros e compartilhavam a curiosidade enfastiada, querendo desvendar o motivo de tanta demora. Os mais ousados resolviam caminhar para frente, procurando a solução do enigma, como sherloques do meio-dia. Outros, mais tímidos, nem baixavam os vidros, com medo dos trombadinhas.

Após algum tempo, veio a explicação: um pedreiro, que trabalhava na construção de um prédio, despencara do décimo andar, no meio da rua. Em seu desequilíbrio, agarrou-se a outro, tentando evitar a queda, mas não conseguiu mais do que levá-lo consigo. O resultado foi que caíram, um em cada pista, vermelhos, e ninguém tinha nervos para pegá-los e colocá-los no passeio.

Ao ouvir a inusitada história, só consegui pensar, "meu Deus, estou numa música do Chico!" Foi então que me invadiu uma ambiguidade inquieta. Por um lado, compaixão pelos desafortunados operários. Por outro – e eu não sabia qual sentimento predominava – um certo orgulho de me ver assim conectada à magnífica arte de meu endeusado compositor.

O celular tocou de novo. Rejeitei a ligação e pensei, "já sei que ringtone vou escolher".

segunda-feira, 6 de abril de 2009

A Beleza e a Obscuridade

Foi em 1997 ou 1998, não sei bem ao certo. Apresentaram-me um disco de uma banda da Suécia que transitava entre o hardcore e o metal. Purusam era o nome. A princípio, gostei muito daquele cd pesado e sombrio, chamado “The Way of the Dying Race” (O Caminho da Raça Moribunda), lançado em 1996.

Mas foi só uns quatro ou cinco anos mais tarde, em 2002, que essa banda tornou-se a minha preferida (hoje, outros suecos, os do Opeth, compartilham essa posição na minha lista hierárquica musical). Nesse ano, conheci o segundo (e último) disco do Purusam, “Daybreak Chronicles” (Crônicas do Amanhecer), lançado em 1997, que, hoje, não sei se ponho ou não à frente do primeiro, mas que na época foi decisivo no sentido de eu colocar essa banda num lugar tão elevado.

Formada em 1994, Purusam passou por diversas alterações de elenco até sua extinção, em 1998. Possui um instrumental bastante elaborado, fugindo dos clichês do gênero, acompanhado por um vocal masculino gritado e um feminino limpo. Suas músicas se alternam entre a agressividade e a melodia, assim como as letras caminham entre a fúria e a poesia.

Purusam é uma banda extremamente pouco conhecida. Isso me surpreende e me incomoda, devido à sua qualidade superior. É um mistério para mim, uma dessas coisas inexplicáveis deste estranho planeta Terra. Má distribuição? Pouco (ou nenhum) marketing? Para se ter uma ideia, a partir de um elemento que, embora não seja 100% revelador, não deixa de ter sua significação, Purusam tem hoje apenas 949 ouvintes no Last.fm (confira aqui a página da banda - a biografia foi escrita por mim), contra 363 mil do Opeth. Outros músicos de alta qualidade, relativamente pouco conhecidos, como The Gathering e Jeff Buckley, têm, respectivamente, 192 mil e 742 mil ouvintes no mesmo site. O Radiohead está na casa dos 2 milhões e é um dos mais ouvidos por lá.

Vou transcrever, abaixo, uma das letras dessa sensacional banda sueca, cujo nome significa, em sânscrito, o espírito universal (sem entrar nas sutilezas da filosofia védica). Deixo a música para quem quiser ouvir uma amostra. Ela se chama “The Realm of Time” (O Reino do Tempo), e é a terceira faixa do “Daybreak”.

Aproveitem.
“The Realm Of Time”

Sometimes life is ticking away
Sometimes there is no reason left to stay
And sometimes it's beauty like never before

We will never appreciate it
No one that loves or hates it
No one that cares at all

Time flows like a river
And history repeats
A life is an eternity

Sometimes it's a wonderful dream
Sometimes life is as beautiful as mean
Just like before


“O Reino do Tempo”

Às vezes a vida está indo embora
Às vezes não há razão mais para ficar
E às vezes é a beleza como nunca antes

Nós nunca iremos apreciar
Ninguém que ama ou odeia
Ninguém que se importa

O tempo flui como um rio
E a história se repete
Uma vida é uma eternidade

Às vezes é um sonho maravilhoso
Às vezes a vida é tão bela quanto mesquinha
Do mesmo jeito que antes

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Gargarejos e escafandros

A música? Só me toca no pessoal. Não tenho ouvido de músico, não sei afinar violão, quando canto, gargarejo. Mas tem umas no varejo que tive por receber, e no atacado me inteiro, se não me apossuo. Daí que numa dessas trombadas corteses me regalaram, era um Chico, já ouviu falar? Nadei com escafandros pelas memórias de milênios, encontrei lugares, me acredite, cidades inteiras, e não pude escapar. O amor me fisgou pela entranha, veja bem, durava mil anos! Então a moçoila teve o que não queria. Impactada com o vigor dos séculos, ouviu o lamento doce que a viola e o batuque alegre ampliavam como um alento. O que aconteceu? Não tenho nada a provar. O nome continua batendo.