Há algum tempo
que, vendo números,
vejo pessoas.
Não são os números
enumerando as pessoas,
são as pessoas
humanizando os números.
Alguns números
procuro em toda parte,
por serem os seus números.
Mas fatigado
por ver apenas os números,
e não você,
quero retirar deles a humanidade
que lhes conferi,
quero renumerificá-los.
Ao ver um seis,
um onze, um quinze,
um dezessete ou um vinte e seis,
quero ver um seis,
um onze, um quinze,
um dezessete e um vinte seis,
ao invés de ver você,
como vejo agora.
Não quero te ver
quando olho as horas,
quando mudo de canal,
quando aumento o volume
do aparelho de som,
quando mudo de faixa
ao ouvir um álbum,
ainda que na música
eu te ouça cantarolar,
que seja um filme impregnado
de nossos risos e lágrimas,
ou que eu vá pra casa
sempre naquele mesmo horário.
Quero chegar logo
ao dia em que um número
será somente um número,
e para isso, já que humanos
se tornaram, preciso,
como se assassino fosse,
desumanamente matá-los.
Os números, para mim,
serão cadáveres,
transformados em cinza,
jarros frios
carregando apenas
um rastro irreconhecível
de uma humanidade
que, fora de mim,
nunca lhes pertenceu.
Talvez o seu rosto,
descolado dos números,
possa ser, ao contrário,
numerificado,
neutralizado, esfriado
como uma série de cálculos,
de subtrações e divisões
que reduzam ao nada
o infinito que você
me parecia.
Esse é um peso
que está além do poder
dos números,
mesmo os genuínos,
desumanizados,
números, mesmo.
Esse é um peso
que pertence a quem,
num enlevo inadvertido,
os humanizou.
Não te verei
ao olhar as horas,
ao mudar de canal,
ao aumentar o volume
do aparelho de som
ou ao mudar a faixa do álbum,
e, à medida que os números
das horas e dos dias
se sucederem, se repetirem
no compasso que segue indiferente
à humanidade que lhes atribuí,
o seu rosto se desvanecerá,
como a tinta perecível e falha
com que agora,
num arremedo de matemática,
calculo este fim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário