Não pingue colírio
nos olhos do menino,
mas deixe-o ver,
em ardência encarnada,
o mundo em sua fúria,
obscura e escancarada.
Reze ao deus
que alguns matam
e outros ressuscitam,
ou se cale,
ou apenas maldiga.
Talvez ele fique cego,
ou tenha catarata,
mas mesmo que
não mais enxergue,
dará testemunho exato
dos gritos vermelhos,
dos precipícios negros,
dos cochichos claros.
Carregará nos ouvidos
as cantigas azuis,
e nos lábios calosos,
a dura responsabilidade
da elaboração precária
de uma letra sem melodia,
crua, dolorosa e sábia.
Não pingue colírio
nos olhos do menino,
mas mostre
o silêncio da aurora,
as ondas
do mar encrespado,
a espuma
batendo na areia.
Leve-o,
bem agasalhado,
à montanha
do observatório,
e lhe ensine
o vasto universo,
perene e ilimitado.
Sente-o
perto da fogueira,
e deixe o calor,
como a um filho,
abraçá-lo.
Encene o concerto
do drama humano,
heróis lutando
contra tiranos,
e dos livros do tempo
vire-lhe as páginas.
Dê a ele
a beleza do mundo,
e seu colírio
serão as suas lágrimas.
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