Ela sorria e cantava feito criança,
saltando sobre abismos como quem dança,
desmanchando carrancas por onde passava,
flutuando em luz como nuvem preclara.
Mas de tristezas funestas ela padecia,
de onde vinham, repentinas, ninguém sabia,
como chegavam se iam, sem ser questionadas,
mágoas furtivas deixando invisíveis pegadas.
Pendendo eternamente num fio sem terra,
travando consigo uma perpétua guerra,
admirava, encantada, as aves de rapina,
seus voos resgatavam, nela, uma menina.
As brincadeiras redundavam todas tristes,
não surtiam mais efeito os velhos chistes,
sentia rasgar-lhe o duro e ríspido chão,
ferindo-lhe a vista o cinza baço do verão.
Atravessava todos os dias uma bela ponte,
indo ao trabalho, lhe deslumbrava o horizonte,
metros abaixo contemplava o rio imenso,
como se para mergulho ele fosse propenso.
Numa madrugada por nós nunca esquecida,
despiu-se de roupas e de sonhos, destemida,
lançando-se às águas escuras, convicta e serena,
assinando o próprio funeral, sozinha, nua e plena.
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