A arquiteta revolve planos
rabiscando informes desenhos
a partir do esboço dos seus sonhos.
Inquieta ao saboreio de tangentes,
reza a um deus em que não crê,
tateando certezas num braille tosco
que não consegue compreender.
Enfurnada nos cobertores de junho,
vê pela janela um sem-teto febril.
Lembra-se num estalo de uma sopa
tão quente quanto chama de fogueira
que a antiga sogra preparava
e distribuía em ruas quase ermas.
Subitamente visualiza os findos traços
e as planilhas na sua mesa,
rasga papel como combustível
do fogo de uma panela inteira.
Recolhe água, bate feijão, corta legumes
em pedaços que bem justos caibam
na concavidade da colher segura.
Desce as escadas, agasalhada,
ligeiramente tresloucada,
compartilhando com um estranho arisco
um pouco de frio e um jantar,
modesto, silencioso e ao fim gentil.
Adentra a papelaria vinte e quatro horas
e se mune de novos instrumentos,
recompondo em corpo vivo e alma insone
a pujança dos seus sonhos primitivos.
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