N'água e na pedra amor deixa gravados
seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas e mais nuas.

"Entre o ser e as coisas"
Carlos Drummond

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Uma noite vaga

Percebo, através do sinal vermelho, que estava prestes a entrar na contra-mão. Corrijo-me no verde, mas já não sei onde estou. O rádio toca o obscuro doom de alguma banda sueca ou francesa, cantado em inglês. O limpador de pára-brisa lentamente afasta as gotas acumuladas, o chão molhado brilha refletindo a luz dos postes. “Faltam quarteirões”, penso, e olhando as horas no painel duvido que chegarei a tempo. Sem direção, sem mapa, sem gps, sem qualquer forma de orientação no espaço, achego-me ao tempo. “Não tem importância”, avalio depois de vários minutos. “Não vai dar pra chegar”. Desobrigando-me de qualquer objetivo, de qualquer razão para estar dirigindo àquela hora, naquela noite, eu apenas sigo. Vejo setas apontando para a direita, para a esquerda. Escolho a esmo, sem saber se ando em círculos. É um instante perdido numa noite vazia. É catártico saber que, enquanto uns se preparam para a manhã de dia útil e outros se apertam em sapatos desconfortáveis, eu vagueio. “Vagueza é sinônimo de riqueza”, dizia Federico. Enxergo isso agora, entre letras e acordes funerais. “Qual é a riqueza deste momento?”, olho no retrovisor. À minha frente o sinal novamente fecha, há luzes fortes no posto de gasolina. Um desgarrado sedã se acomoda ao meu lado, com vidro fosco. É em seu reflexo espelhado que o verde se derrama, pouco antes de não restar nada. À minha frente vejo a lagoa.

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