N'água e na pedra amor deixa gravados
seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas e mais nuas.

"Entre o ser e as coisas"
Carlos Drummond

sábado, 29 de novembro de 2014










Uma breve luz,
esparramando-se em sua fronte,
captou, com leveza de sussurro,
o gentil embalo,
num colo seguro,
da incipiente vida
hesitando, de retorno
ao seu verdadeiro mundo.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

O encantamento da segurança

Na primeira vez em que o senti em mim,
soube que poderia ser segura junto a ele.

E tive medo.

Tive medo da segurança 
jamais antes experimentada,
sequer nomeada,
tive medo
porque ela parecia tão próxima,
à revelia de qualquer precaução.

Tive medo porque me permitia
fazer-me indefesa junto a ele,
tive medo porque um movimento
mais brusco seu me partiria.

Meu coração palpitava sem ritmo,
cindida que estava, entre a segurança
com que sua presença me envolvia
e o rastro do passado que me impregnava.

Tantos arranhões e tantas lágrimas
para emancipar-me de todas as
correspondências,
e novamente o abismo defrontado.

O abismo do seu abraço,
do largar-se em seus sentimentos,
tão sem certezas,
tão próprio do reino das apostas,
intangível e involuntariamente esquivo
em sua sedução espontânea
e livre de qualquer alarde.

E, no entanto,
condensando em seu seio
a expectativa da incondicionalidade
e do irredutível desejo de abrigar
todas as dores,
gotejando na hora exata
o bálsamo do afeto,
ele desafiava minhas vitórias.

E é por elas
que me faço fiel à audácia
da minha regeneração.

Derramo em seu peito a força
das minhas vulnerabilidades,
ponho em xeque
a potência dos seus alicerces,
abro-me à chance da queda
ou da segurança
com que desde o primeiro instante
ele me encantou.

sábado, 22 de novembro de 2014

O alvo e suas brechas

Eu me dedico à arte da flecha e do arco, adestrando-me, com primor de aprendiz, no manuseio e na mira, e, sobretudo, no tempo.

O tempo veloz ou lento do alvo, a natureza da flecha, sua cor e seu brilho, força interna ou sutileza de toque, estrondoso ou despercebido.

Não se trata de sangrar a caça, a não ser o sangue assombroso do combustível da vida; no coração atingido, impulso renovado fluindo.

Respeitando a solidez e o ritmo de sua quentura, o fogo se aproxima a cada brecha, a estrada a cada vez segura e protegida.

Pois o arco é ciente de suas lâminas, enverga o vento e dilui a tempestade, abre as cores entre nuvens, liberta todos os matizes.

E o alvo se deita, numa plácida entrega, coberto por lua em céu veludoso, mãos ávidas descansando no silêncio do preparo.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

O verdadeiro amor só acontece entre duas felicidades que se tocam.
Eu não toco o que em você é infeliz. Eu toco a felicidade que existe, mesmo se escondida aquém ou além da consciência, vibrando em seu interior. E então, num movimento sutil e delicado, resgato-a como quem recupera e revigora uma Beleza, e a ofereço a você como um presente singelo.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Nudez rediviva

Eu te desafio a mergulhar, burlando o contorno inteiriço das suas reservas, manuseando a premeditação como braçadas arriscadas, no proveito da lucidez cravando o cerne do desconhecido; finalmente divisando a riqueza indomável de todas as cores, formas submersas dançando no acalanto das águas, tremores imprevistos, jamais nomeados pela insuspeitada candura, emergindo como novidade assombrosa no que se pretendia a quintessência da erudição; só lhe poderá restar a humildade dos recém-nascidos versando as primeiras letras, guardando como única segurança o leme do olhar, o domínio frágil das reações e a hospitalidade ao dúbio encantamento do porvir.