N'água e na pedra amor deixa gravados
seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas e mais nuas.

"Entre o ser e as coisas"
Carlos Drummond

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

sábado, 28 de dezembro de 2013

DR

Ela já me esperava quando despontei na calçada do bar. Seu rosto fechado denotava a mesma ambiguidade e eu me cansava daquilo. “E então?” Ela me resvalou com um olhar trêmulo, como se deparasse um espírito em súbita materialização. “Eu não quero falar disso. Vamos sair daqui.” O trajeto para o motel de sempre (no começo eram muitos) parecia carente de um mínimo sopro de sua presença. Ela se perdia ao meu lado, desaparecendo nas nuances de sua inexorável abstração, e eu, por minha vez, me desnorteava percorrendo atalhos que jamais conduziam a ela.

Entrando na suíte, ela tirou a roupa e se deitou. “Só quero ficar pelada do seu lado. Deita comigo.” Mais um de seus caprichos. Tirei a roupa, nos cobrimos com o lençol de seda e ela pousou seu rosto no meu peito, me enlaçando com aquele perfume que me inebriava. Maldito perfume. Eu até me conformava de não transar só por causa dele. O problema é que fazia tempo demais. Perfume algum bastaria para manter-nos juntos assim. “Você precisa ir ao doutor.” Ela deu um suspiro, cheirou meu pescoço e me beijou. “Eu não consigo ligar. Você liga pra mim?” Após tanto tempo, um sorriso simultâneo entre nós. Acariciei-lhe as lágrimas com a ponta dos dedos, meditando em como uma consulta médica pode ser capaz de dar esperança a uma relação.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

No meio do caminho tinha uma flor.
Era suave e flutuava nos meus olhos.
Colhi-a com mãos de pluma,
perfume se derramando em torno de mim.
Crianças sorriam a minha passagem,
cor de vida cortando os nimbos.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Ideia para viagem de carro por ruas de cidade:
cada corpo é uma história.
As faces me contam sem dizer.
Fisionomias penetrando como flashes no frio.
Saltar num banco de cimento,
a contemplar um ponto de ônibus.
Anotar no caderno de passeio,
com fibra, as dirigidas alucinações.
Sempre aquém do perene.
Cada sorriso se transformando em outra coisa,
cada careta também.
Não há pausa no itinerário dos rostos.
Volto ao carro e acendo o farol,
aciono as borrachas do para-brisa.
Encolhem-se corpos inermes,
recolhidos sem esperança na umidade inchada.
Rodo e o motor bebe o álcool
que abandonei.
Em pouco de novo o sol.
Faces contando mudas,
flutuando pesadas como flashes no frio.
A faísca, discreta,
germina sob a reprimida pele do chão.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

...surpreendi-me, atravessando o passo lento do escurecer, na transparência de um velado panorama, silhueta de concreto erguido, lado a lado, numa composição terrível e sublime, elevando sua face prateada e concisa ao pico em que me encontrava; sentado no cerne do noturno, silêncio débil cortado por desgarrados automóveis, luzes amarelas de rua em contraponto com janelas acesas como estrelas num céu de sono. Eu via homens, no desagasalhado embaraço do sonho, entranhas expostas à minha inquisição; juiz provecto esclarecendo-se úlceras na iluminação da senilidade, denotando espelhos no sangue e no sal, pousando o martelo ardiloso e infame como oferta aos ventos que virão. Mulheres, desacorrentadas das dúbias oscilações de errantes fantasmas, cantando a alma como adesivos foscos no fogo de uma tocha; abrindo, à semelhança de virgens em um rio, a subscrição dolorosa da desconfiança, expunham-se, num amálgama de hesitação e ousadia, aos abismos de que se fariam luz. Um cheiro de vida exalava da cidade como de um vale, umidade de gritos e suor abafado, estertores orgulhosos do viço de suas chagas; lágrimas curando desnorteios como crustáceos imergindo, risos apertados entre ar cálido e cílios resvalando. Eu sorvia a madrugada como sentinela do desvario dos seres, ensaiando o sereno no pausado movimento das minhas cismas...

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

...finjo não acreditar nas palavras que colho da sua boca em flor etérea, melodias resvalando o quase da borda dos meus tímpanos; num ilusionismo barato e sem efeito, deleito-me no fantasma do seu olhar terno a recitar versos de amor. Como Marcel, educo-me nas neblinas solertes do que há pouco me escondia: o que lhe atribuo, num assédio de resfôlego e desrazão, jamais virá-me de você, e assim me desespero. Espera ingrata seria, furor desmedido arrebatando todos os dedos e as solas dos meus pés, não restaria derme, tudo de que me visto desfazendo-se em poeira que secretasse de cavidades agonizando. Não foi a sua voz, que primeiro de tudo ouvi, não o rosto, não o acanhado corpo a velar tanto viço e tanto fogo; foi a música, foi você me esperando, foi a face pressentida do seu aguardo na plateia, figuração estrangeira de um baixo-relevo que me vive ainda. Foi a separação. O adeus estampado nas fibras resolutas das suas lágrimas, o olhar dançando como ventania no horizonte, maldito longe desabando certeiro sobre o tênue cristal dos nossos dedos enredados. O vermelho do que pulsa e do que dói, do que dá a vida ou a destrói, os rastros viscosos das antigas carícias de cetim, dissimulados pela areia espessa da juventude que se esvai, súbito revolvem meus órgãos transbordando nos olhos que não te veem mais: rio sinuoso a marulhar no oceano escuro do esquecimento que reluta em vingar. Escapo-me de remates, não me despeço agora do que ensaio na cratera da sua eterna passagem: amanhã é noite sem lua, esparramo a falta no próximo céu distante e claro...

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Língua: código, pensamento e interação

As principais teorias que, na linguística contemporânea, procuram explicar o fenômeno da língua, podem ser agrupadas em três famílias. Elas se distinguem pela definição que propõem para o objeto: a língua como sistema de códigos, como atividade mental e como atividade social.

A abordagem da língua como sistema de códigos estuda o seu aspecto formal – seus elementos fundamentais (alfabéticos, morfológicos, fonéticos, sintáticos e semânticos) e as relações entre eles. Analisa, sob esse prisma, a maneira como as conexões entre os significantes (os símbolos: o som ou a grafia das palavras) e os significados (aquilo a que os símbolos se referem) criam o sentido, possibilitando a mútua compreensão entre os usuários de determinada língua, através do encadeamento linear das palavras, de acordo com certas regras.

Focalizando a língua como atividade mental, estuda-se a maneira como ela é um instrumento de expressão do pensamento, através de mecanismos mentais inatos, que possibilitam a sua introjeção como realidade interior.

A visão de língua como atividade social a insere nas situações concretas em que é usada, apontando que determinados fatores, ligados ao contexto das interações, são essenciais para a sua compreensão plena. Desse modo, o ambiente em que ocorre o ato de fala, o momento histórico, os conhecimentos prévios compartilhados pelos interlocutores, os preconceitos de cada um, a posição social e as expectativas mútuas devem ser levadas em consideração.

As três escolas, longe de se excluírem mutuamente, proporcionam, em conjunto, cada uma à sua maneira, um conhecimento mais completo do fenômeno da língua.

sábado, 30 de novembro de 2013

Berço

Nasce em desassombro,
no caldeirão do escuro,
um ponto vivo dilatando,
organismo retesado em luz
de intermintente fulgor,
girando em prateadas espirais
o eixo nobre do ancestral:
lâmina espessa atravessando
a pele tenra do movimento.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Clareira

Eu atravesso
o tecido espesso do tempo,
tinjo de vermelho fosco
a tapeçaria intrincada
que bate o vento
e nunca seca.

Seria um tear sem fim
a substituir vermelho por cores
e depois novo vermelho,
encharcando o solo a ponto de fugir
na esperança de um coágulo,
ou umidade de terra que transformasse,
de líquido em líquido,
em transmutada fertilização.

Corar de céu diurno
os sérios brinquedos
de seda arranhada,
lavar com sol e lua
a vestimenta torta
da cabeça dos seres.

Rasgar em novos fios,
finos e resilientes,
compondo novelos
com o breve intuito
de entrelaçar poros
molhando no espelho vivo
dos rios.

Desvendo trilhas
cortando certezas,
com as folhas secas da cegueira
gero a seiva da visão;
desenho em pontos
um figurino de chuvas.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

O sol lança uma sombra dourada na cidade,
luz serena no tilintar assíduo dos seres:
não se precisa de viseiras.
Os olhos se encostam através das brisas,
brincando como sedas esvoaçando.
O som é de canção e cada ouvido se adapta
à sua beleza: todos degustam letras gentis
enquanto argumentos desabam.
Os raios sugerem o passo,
destino em cada grão de areia revolvido.
A chuva vem como unguento disfarçado,
incenso derramado nos sulcos do ar.
A terra se demora elaborando a justa densidade,
dançamos a umidade com sementes nos pés.

sábado, 12 de outubro de 2013

O silêncio
como resposta

na brisa cálida
da espera

arrepiando
como dedos

que no segredo
da distância

colhendo mirra
quase tocam.

domingo, 6 de outubro de 2013

E a criança disse:

As horas atravessarão o desdém dos seres.
Eles e elas se olharão sem ver inimigos.
Os desejos de um não esparramarão suas vestes
no solo agora preservado dos desejos do outro.
Haverá riso e beleza nos dentes.
As torrentes levarão os detritos dos encontrões.
Edifícios cairão e se erguerão horizontes.
Respirar será fácil, moderando o fôlego
ou perdendo.
O cansaço será alegre e o novo dia abundante.
Sob um perfume cambiante entoaremos duetos e corais.

domingo, 29 de setembro de 2013

Dançamos,
de círculo em círculo,
em tangentes furando
a pele inóspita e dura
de nossos despercebidos
receios,
faiscando a confiança
leve dos gestos,
túmida e generosa
no paciente avanço
das horas,
árvore a desfolhar
germinando próxima
floração.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Cria em você

Deita sob o sol da manhã,
   querida,
que o sol da manhã é silêncio e
   brandura.

Ouve o vento na folhagem,
   querida,
que o vento o leve te
   sussurra.

Pisa firme a terra úmida,
   querida,
que a terra úmida firme te
   segura.

Debruça em mim o peito represado,
   querida,
que em mim seu peito deságua e se
   atenua.

Contempla em você a vida e sopra,
   querida,
cria em você a vida que caminha e
   fulgura.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Mensagem de garrafa no oceano das razões

Quero escrever com enredo. Deslizar nas consciências, abrir o céu dentro orvalhando flores. Com a força de uma gota sobre a pele, eriçar desejos de sorriso e olhos alegres na praça. Até onde irá o meu sopro despercebido? Lavar os rios e nadar na chuva das avenidas. No alto um reflexo de azul claro e destoantes saudando. A vereda comprida serpeante cheia de bichos escorregadia espinhosa difícil e bela. Felicidade no enfrentamento e suavidade bem nutrida na estrutura armada. Desvio-me das flechas, reciclo em utensílios e tipografia. A gaze não falta e vacinas surgem debilitando absurdos. A loucura vital da revolta que não machuca e ordena os atos que pisam a terra. A inocência escolada de quem desiludido vai. E vai.

sábado, 31 de agosto de 2013

O casal se reúne
numa lareira de solidariedade,
no inverno sem estrelas por causa das nuvens.

O sentinela dos cumes,
com seu débil sopro cariciando a planície,
orvalha gotículas de vida sobre os frágeis telhados.

No horizontal rio chuviscado,
a barqueira rema para a saudade,
a beleza do seu coração que jamais presenciou.

Eis um retrato do mundo:
longe as luzes gritam infertilizando a terra,
no pequeno sobrado choramos a paz.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Empunho uma brisa aromada.

Devastação em redor,
orvalho se deita nos poros que ainda restam.

O horizonte é bruma,
as chagas suave ensaiam.

Os pés como o ano
se curam no tenro do chão.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

O anjo de sangue

Subo, subo, subo
uma ladeira de névoa.

O anjo me acolhe
numa cabana de canções.

As águas flutuam,
meia-luz fundindo cores;

persegue a queda,
condensa sonhos em sangue.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Como o choro de uma pétala
orvalhando as ranhuras
de um coração envelhecido

dou adeus

sob um sonho de violoncelo
que me treme como cordas
alçando a dor num voo breve.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Epifania

A beleza irrompe no tempo como uma fonte,
numa abertura umedecendo os seres de eternidade.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

A noite cobre os cristais
a rasgar a pele negra dos sonhos,
andarilhos erram no asfalto molhado
que brilha no silêncio das gotas.

Um raio penetra a expectativa das paredes,
luz de abismo acende dentro
e fura as pálpebras
se espalhando sem fronteiras
no sereno do inaudito orvalho.

Os acordados fluem aromas
na discrição de um canto soprado
de poste em poste,
abarcando com seu brando timbre
todas as partículas do ar
que os ouvidos respiram.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Os andantes estão deitados:
bênçãos caem sobre a cidade
como chuva fina modulando o sono,
no sereno refletindo o azul-escuro do céu.

Escondidos nas batidas que não se ouve,
os sonhos se infundem de umidade,
nutrindo as imagens do tom delicado
que sopra o amor como um sussurro.

Anjos discretos se expandem,
guardando a enorme vila em sutil
inspiração, 
cansando as asas no atrito do ar
que não acolhe plena sua descida.

Insistindo no descabido propósito,
absorvem, num retorno efêmero ao sol,
o peso dos abismos,
derramando-se oblíquos
como impalpável perfume 
no fundo do ser.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Caligrafia

O tempo é a eternidade se movendo.

Sempre foi, sempre será,
fluindo na embocadura dos eventos,
luminoso gume,
imagens escorrendo em perene
e espantoso desenho.

sábado, 13 de julho de 2013

Aterramento

I

Marcos teve os pés decepados na guerra.
É por isso que flutuava.

Os doutores enfronhavam robôs.
Chips vinham ao socorro, partindo de cérebro e mãos.
Cérebro e mãos construindo pés.

II

O século traz uma nova seiva.
Sangue fertiliza e se afeiçoando brota.
A carne, recém-nascida, aos trancos vive e se junta.
Não é mais tempo de engrenagens.
Ludibriando a anciã natureza, mais se a humaniza.

Batizando nos pés impresumível valor,
Marcos afunda-os na úmida terra.

Nunca o frio plantado
e o cheiro encorpado foram tão gratos.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Propósito

Encarnar.
Pisar o chão com pés fortes na gravidade.
Calcanhar e dedos num fincar consorte.

Terra, agarre-me com seu peso incandescente.

Comando meus músculos inscrevendo ideias com ações.
Fisgo o concreto e modelo átomos ao redor de mim.
Palavras organizo e libero em viagens de transformação.

Encontro os seres e interagindo reformamos.

domingo, 30 de junho de 2013

O coral faz ensaios abertos todos os dias e se apresenta nos tempos de decisão

Uma bandeira esvoaçando no eco de esperanças plantadas. Os gritos arrefecem sem rouquidão e a voz cresce em volume. Os engravatados não estão mais sós, legião de sentinelas canta sem descanso atrapalhando o baile de máscaras.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Um diamante no céu campestre de fevereiro


a Mari e Pedro

A brancura de uma vela
de pavio firme e chama branda,
que, açoitada pelo vento,
flama intensa e não se apaga,
cera sempre renovada
por lágrimas fecundadas pela beleza
e risos brincando entre palavras
doces, ou fortes, sempre bem aventuradas,
vontade prenhe de acolher,
saltos corajosos, a olhos estranhos, perigosos,
seguros dentro do peito
e amparados por braços cuidadosos,
ainda que doídos, salvos
e confiantes nos poderes curativos
de cada pequeno gesto,
florindo o lar com cores e perfumes,
e mesmo no choque um mútuo recriar,
como o exemplo de anciãos nobres
limando o vínculo de insignificâncias atrevidas,
colocando no justo lugar cada ponto,
cada traço, cada figura
e, numa concentração cristalina,
modelando o amor como um diamante,
inquebrado e preservado
no espaço intangível de uma ligação
feliz.

domingo, 9 de junho de 2013

Olhos de prata

Perco-me em sua úmida íris.
Não posso atravessar sua física constituição,
parece-me infinita em seus desenhos mínimos,
imprecisos à minha pobre apreensão.
Nunca saberei de antemão sua gentil pontaria.
Seguirei e me escapará, como partículas incertas,
brindando-me numa volta imprevista
com sua generosidade esquiva.
Deito-me para o céu entre o noturno,
as estrelas se movem, à minha revelia me derramam sua dança.
Estendo em meu entorno uma luz transparente.
Planto armadilha prateada e te sussurro,
aponto a captura, ofereço tangentes,
você cala;
insidiosamente escorrega o seu abismo
nos meus olhos.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Estrondo

Arrebato taquicardias em desvãos quase mortas por desuso, lâmpadas ruídas e janelas em estertor atravancadas, gretas como lâminas podando fios de aranha. As pupilas se expandem, o pó flutua e caído mancha a sola das minhas ambições em grave oitava. Desnudo-me em criação, reúno trastes numa transmutação sem piedade, sopro outono nas paredes como a limar projeções timoratas, conjuro martelos, abdico de levezas, intento a fulminação dos telhados abrindo meus órgãos à brasa manca no meio-do-céu. Incho meus pulmões com a flecha imunda das vísceras, garganta exalando num veludo agressivo o vermelho extático a se infiltrar nos declives que abalo armado de memória polida. Unto minha volúpia que afoita como átomos se multiplica e explode em clarão insolente todos os entornos, meu sangue treme na queda, quebro arestas com roçares, embebo em terra úmida meus pés em chamas com a chave dos ventos.

domingo, 2 de junho de 2013

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Labareda

Transpondo ermidas,
demoro-me em brasas,
inopinados estalos
fermentando pele
e gretando poros.

Escarvo as fissuras
com tinta rubra,
de joelhos desvestidos
arrasto a dobra
no canto dos olhos.

Sugo da flébil chama
o branco nas veias
e o ocre que no horizonte
destoa do vil.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Cerco

Um dique caudaloso
se ergue disfarçado
entre as noites.

Sangro tijolos a derreter
num baluarte sem trégua,
trinco furos transviado
tateando por estrias.

Acumulo goteiras,
faço-me trovões,
não me escondo
da cheia que me espreita
enquanto sondo.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

A plangência da terra

Os camponeses,
tomando banho de vento,
pra lá de cancelas douradas
ninam carcaças,
os olhos sugando
a umidade do corpo.

Anjos se arrojam,
sonhando fundir-se
enlamaçando a caatinga;
carecendo de violência,
asas densas como pólen
insuflam pulsos informes,
fios de virada na devastação.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Canto ao instante que perfura

O balanço dos seus olhos claros, como um sino plangendo na transparência que me encobre, escorrendo na temporalidade como um marulho inebriante inundando as fissuras do comedimento, assinalando a cada curva uma lancinante afronta à tacanha desolação de todos os respiros, na ilusão luminosa de um preciso instante encravando dedilhos na indefesa tessitura de minha alma a tropeçar em seu laço cristalino e úmido, involuntariamente paralisando num agudo improvável a desintegração irreversível do que já não é, na eternidade que esgarça o tempo perfurando a fábrica do incansável movimento.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Sussurros

 

A discrição da bondade


Os anjos não são alegres
– imortalmente assistindo
com lupas os que guardam
a fraturar-se tolamente –
prisioneiros por escolha
do sol que neles pulsa
e que são,
rompendo em gêiser
sua individualidade coroada
numa inteireza sem bordas,
privados de tato assoprando
venturas débeis
de um transparente rarefeito,
fulgindo no canto esquecido
sua resiliente e doída
paz.

II 

 

Interstício


variação em torno de uma rosa

Um fio em forma de caule
fura o cimento e respira
indiferente ao improvável.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Vazando a pele da terra

Bartenders de olhos cravados
espremem palavras, entornando
o suco vermelho em poros,
misturando empatias ensurdecidas
por gritos próprios, pilando
cacos de toques afáveis
lascados em acidentes mudos
ingenuamente provocados.

Como cães ladrando para espelhos,
em acessos de contragosto
nas taças do involuntário,
insabido, narciso esfarrapado,
a turba embala analgésicos
em projéteis atirados,
desastrados, nos pés
despercebidos a mancar
rasgados, sobre o visco inotável
escorrendo ligeiro na vereda
que lamentada se corrói.

domingo, 28 de abril de 2013

Alva presença

Você, alisando a inenarrável geografia numa sonífera aduana, respingando sua face de infamiliares contornos na reprodução de inédita ambrosia, aventando em enlevo insolente a fluência nua das impressões morrendo como a água a absorver num impulso a terra acanhada, planando nos horizontes o ir-e-vir dos lampejos e no meio-do-céu explosões de abarcantes gorjeios, palpitações à maneira de eflúvios soberanos subjugando lábios com a ponta dos dedos e visões com inverossímeis clareiras, fincando no centro esquivo dos seres um sutil estrondo, numa alegria distraída que é quase um desprezo.

sábado, 27 de abril de 2013

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Ela, despindo-se na noite

Arisca, sopra um manto de aromas macio num alinhar de fendas vermelhas pela neve. Banhando-se em lições de boticário alisa a camada inflamada sem nela encostar. Coberta de pétalas translúcidas acalenta alunos desavisados que tremulantes no escuro se tateiam. Plantando miradas como fios de rio marulhando doces frases, investe penas a colorir com tintas várias papiros envolvendo pedaços de chão. Assovios tomam conta dos ventos imunes a qualquer violência, intimamente expandindo a presença de amores no intangível. O fogo, no centro de cantigas infantis, corta a noite e preserva inocência em labaredas ancestrais. Dentro do azul carícias agarram a vida entrelaçando resíduos de dores, liberando seiva tornam imagens úmidas abrindo caminho no insondável. No prado fluindo um sono luminoso ela acolhe afeição enquanto o magma num balanço escreve no céu.

terça-feira, 16 de abril de 2013

Voo de parvos

A aeromoça no banheiro esfregava as mãos mas não faiscava. Atadas nas cordas em fiapos só lhes restava erguer as unhas ao mais alto e esperar os dedos de um deus. Os sentinelas usando explosivos de artesão se esgueiravam como minhocas de intrometidos com caças mudos suicidando espancados a bufar. A aeromoça se lembrava de prados perfumados em que certa vez estaria e agarrando o momento se convertia em alma imortal. Fechando os ouvidos em melodia pedia perdão por todos ecoando uma cruz nublada enquanto o azul lá fora permanecia. As cores serão sempre cores à revelia dos néscios pensou ela com a aeronave a flanar.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

fonte-fluxo-ponto

Instante-
passado
presente
futuro
-união.

Plasmando
propósito redesvelado furando.

Fui-estou-vou
num único movimento
pedregulho-abismo
couro de pela
lascando
pó de arroz
quadro de
gorjeios
jorro de
areia.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Prancha

Não vamos fazer estardalhaço. Essa mania de inchar tudo. As coisas são o que são. Aconteceu, aconteceu. Tem que descolar. Vai obstruir alguma coisa? Apaga. Ou melhor: guarda na prateleira. Fica ali, ao aberto, como uma peça cara de coleção que se espaneja quando em quando. Não precisa quebrar, atirar no lixão. O cheiro sempre volta. Deixa. Condensa numa bola de gude, brinca com ela numa hora incerta. Só não junte. Elas caem e fazem barulho. Furam o solo. Joga, bate uma na outra, reúne crianças, ganha, perde, gosta. Os pés não tremam o chão, mas não precisam sussurrar. Só no balanço. Pra lá, pra cá. Aqui. Não espere o fogo na sola. Vêm sempre ondas altas.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Uma aragem resvalando

Novais era seco. Pés secos. Mãos secas. Olhos secos. Ermo de tão seco e mais seco por tão ermo, grudava no gelo e evaporava na faísca mais tolhida. Suas costas desabavam morro acima, as feridas encardiam, em dias de tormenta não deslizava. Caloso e impermeável, atravessava infantes entre margens, soprava raios, abrigava cães nas enchentes. Chorando em surdina, entoava o lamento da aridez que a tudo emprestava. Dançando na viração, novais em cinzas era uma chuva sobre o mar.

sábado, 30 de março de 2013

Piso e altura

Em casa
uma lagosta
ganha asas ferozes:

eu mergulho no vendaval invertendo gravidade,
com crosta seca me puxo quebrando,
músculo nu nascendo lisa e espessa camada,
camaleão-ouriço deliberando ranhuras.

Sou dono dos meus pés,
estrondo ou sussurro planto na terra.

sábado, 23 de março de 2013

Olho de aranha

Miragem,
visão de fora sem dentro,
confiança infantil
em exatidões sonhadas
sem serrar os olhos.

Luminosidade,
condensada em condutos
penetrando, na acuidade de navalha
polida, glóbulos de instabilidade
desmascarada,
escorrendo viscos de encaixes perfeitos,
frágeis como areia úmida
que se atira em lente abafada.

Imagem,
lúcida opaca,
fisionomias em milímetro
a cada piso rodadas,
tremor rumando ao horizonte,
separação de terra, vácuo
e água.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Astrolábio

Entortei o meu olhar,
mas não foi mal querer.

Girei os espelhos
e o plano das luzes,
deslumbres embaralhados
entre labutas;
respirar nunca mais
foi transparente,
resto de porto
no sal sem chão.

sexta-feira, 8 de março de 2013

Pincelando o assombro no inatingível

“Meu pai diz que quase o mundo inteiro está dormindo, todos que você conhece, todos que você vê, todos com quem você conversa. Ele diz que apenas algumas pessoas estão acordadas, e elas vivem num estado de total e constante deslumbramento.”

- Joe contra o Vulcão, John Patrick Shanley (1990)

No olhar caindo
um colorido de fluências esparramadas,
em todo canto um sentido,
do seguro ao lugar sem definição
em que manam as imagens.

Sons de cigarras e de carros
no concreto tingido do exíguo verde
remanescente do que era e apenas é
na tela da memória dos elementos básicos,
como a rugosidade das folhas
e a consistência dos troncos,
criação de mágicas suposições
em que a mente se desvia, desvairada
e consciente,
esquecendo a matéria imediata
no fulcro das projeções.

Peregrinar tão cedo,
em cada solfejo do caminho
a carícia do ar entrando
e soprando a atmosfera enriquecida
do hálito dos seres,
atravessando o feio e o bonito
na união inquisidora
das passagens,
pisando com pele ou papila
os gostos múltiplos
dos ventos e das águas,
abrindo ouvidos à luz
e pupilas à sucessão incansável
dos batimentos.

Contemplar os porquês
e as respostas ausentes
interpeladas,
nelas mergulhando
e no estrondo encharcado
implodindo exclamações sem norte.

Mesquinhas usurpações,
na solidão
pérfida e lamentada
de indolentes apartes,
sismos em sangue
clamando o consolo dos unguentos,
aprendizado da insensatez
se arrastando por milênios.

Elaborar no simples
a complexidade pavorosa e fascinada,
destinando-se no presente
à opção inabalada do riso lírico,
envolvendo todos os vazios,
oferecendo às direções instáveis
a flórea radiância,
formulando em gestos ecoados
na concavidade da simpatia,
ou em palavras verberadas
no convexo fleuma do desinteresse,
ligações sem garantia,
magnetismos imponderáveis
de circuitos fugazes,
luminosidade e escuridão
em orlas imprecisas.

sexta-feira, 1 de março de 2013

...que salto sem saber se caio ou aterrisso

Você me alcançou na rua escura,
dizendo o que meu olhar não traduziu,
virando o tempo e coroando,
num retoque breve de cicatriz,
os corpos leves em sincronia.

Você me mostrou um novo abismo,
tocha em punhos,
ponte frágil balançando a cada passo,
barítono e soprano
ressonando em todos os naipes,
convidando na mão estendida
o absurdo de um voo fincado
e de uma etérea raiz.

A canção
me acalenta na madrugada
e me conduz no dia,
dentro de mim te toco sorrindo,
espreguiço nos seus olhos
a exclamação de um intangível acorde,
mistério e raio se projetando no claro azul.

* Fotograma de Silver Linings Playbook, de David O. Russell (2012)

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

No fundo dos meus olhos um despenhadeiro...

Você foi o melhor entre os piores dançarinos,
me conduzindo sem saber o que movia,
sonegando o inteirar-me
do seu desvelo de todos os espinhos
atravessados nas partes mais enrugadas
da minha pele adormecida.

Você me leu nas entrelinhas,
encontrando no espaço das palavras
um reflexo a focar suas feridas mesmas,
inequívocas e indiferentes às tentativas
de remendar, com cacos viscosos e vermelhos,
botelhas e taças em cristal quilatado,
toques transparentes em muros arrasados
e inchados da carga aterradora
de uma hipermetropia abominada,
sorrateiramente vulnerável
ao perfume dos macios roçares,
agonizando a cada passo
a atração pelo vinco das águas,
alvejadas de luar,
seguindo a velha embarcação.

Você não pôde ouvir o que eu te olhei,
alheio aos gritos que lancei ao seu vazio,
na imobilidade de uma canção ferida
e indolentemente abandonada.

Vou correr,
jogar-me do penhasco revolto
nas águas de um lago sem vento,
serei um sopro sem vela,
nadarei das águas escuras
ao infinito dos meus pulmões,
temerária confiarei em minhas pernas
e em meus braços desfolegados.

* Fotograma de Silver Linings Playbook, de David O. Russell (2012)

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

O acorde das nuanças imortais

O Branco, envolvendo lentamente o rio negro do tempo com todas as cores, incorporando e fluindo numa união-encanto que nutre o âmago insondável das pulsações, toando em onda-melodia a luminância exatamente discreta ou sublinhada, carregando música entre curvas e pontos religados, oferendando em ritmo alternante o escorrer das horas em perene dissolver e reintegrar, assovios-marulho sutilmente esvoaçando o útero de todas as criações,

explode escorchante encadeando uma lira sem origem nem parada, solfejo, murmúrio e grito num composto em que centro e fronteira inexistem, luz no obscuro, raio raro e peregrino.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Uma noite em brisa

Ele e ela
colidiram numa noite sem lua.
O índigo arqueado da abóboda
modulava as falas como veludo
num pescoço de inverno.
Cadências em lilás fluindo nos ouvidos
como novelos na escuridão.
Uma carícia ondulada respingando nos olhos
ao alcance do mais leve formigamento
de toques macios como pétalas.
Cantavam folhas voando em uníssono interior,
não se sabiam certos,
saltavam felizes de areia em areia.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Golpe premente, espessura qualquer

Márcia acordou faminta. Nada na despensa. No supermercado, um infante de dois ou três anos a mirava pensativo. Ela lhe sorriu. No trabalho, discutiu com um colega sobre um traço. Sua amiga lamuriava agruras sentimentais, ao tomarem limonada. O telejornal alvejava acidentes e assassinatos. Adormeceu no meio de uma sitcom e sonhou com uma parede.

Márcia acordou faminta. Foi à loja de ferragens e pagou por um martelo. O maior que pôde encontrar.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Neste pequeno espaço entre nós

“Acho que, se existe algum tipo de Deus, ele não está em nenhuma pessoa. Nem em você, nem em mim, mas neste pequeno espaço entre nós . Se há algum tipo de mágica neste mundo, ela deve estar em buscar entender alguém e compartilhar alguma coisa. Eu sei, é quase impossível conseguir, mas quem se importa? A resposta deve estar na tentativa.”

- Antes do Amanhecer, Richard Linklater (1995)

Você conseguiria
me olhar por uma hora
sem qualquer pensamento
enquanto te olho
num rebento contemplar

O que você veria
desnortear, cansar, repelir
claustro de excessiva gravidade

ou peregrinar em luz
perdendo-se para encontrar em cores
uma quebradiça existência a girar

Os meus olhos você tocaria
sorrindo no tremular de um tempo
que sem se mover se passa

vibrando abertos indagares
palavras fugindo em pálpebra
cílios tateando no vento
as invisíveis pulsações

apalpando a plenitude
de mergulhar no vazio entre nós
como anfíbios amantes
pegando ondas com as pupilas

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Os sentidos do vento palpável



“É ótimo ser espírito e testemunhar por toda a eternidade apenas o lado espiritual das pessoas. Mas, às vezes, me canso dessa existência etérea. Não quero pairar para sempre. Quero sentir um certo peso, que ponha fim à falta de limite e me prenda ao chão. Eu gostaria de poder dizer ‘agora’ a cada passo, a cada rajada de vento. ‘Agora’ e não mais ‘para sempre’ e ‘eternamente’.”

- Asas do Desejo, Wim Wenders (1987)

Um mergulho no chão que elástico encrosta,
sangrando penas esgotadas,
numa consequência inversa emendando as pernas,
criando tendões e solas com detritos de asas
em cadência pulverizando farelos de cascas
como areia aderente fixando ideias no solo.

Esquecendo o inexorável movimento
de ventos alheios a qualquer controle
para carregar a densidade vácua das escolhas,
esquivando sem sucesso a incerteza
no escondido encanto da pretérita indiferença.

Encarno o não-saber saudando os limites do horizonte,
no momento as direções se abrem, imediatas
e presas a passos e saltos sem voo –
não enxergo no escuro e sinto sono,
ouço as cordas alvejadas do piano
que pesa e responde a meus dedos com acordes,
tudo me exige estudo,
dobro os joelhos e perco fôlego em escadas.

Não tenho nada além do agora
que foge e retorna a cada instante.

As brisas são carícias,
azul e amarelo se casam na aurora,
frutos exalam gostos,
nenhum silêncio abafa o respiro
da beleza que sem remorsos findará –
não pairo, piso gravidade
furando a terra e vertendo a vida mortal.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Céu vago e silhueta antes do sol

Uma estória não me foge da cabeça.
Desenrola como tapete lilás,
compassando o balanço dos meus pés,
bailarina em brasa a conduzir acorde e vinho.
Todo o chão se colore em música,
tons menores verberando em cordas sustenidas,
bandeira leve tremulando na brisa alecrim.
Ao longe o mar o espera,
interseção de dia e madrugada,
tempo e nota deslizando como sangue ralo,
caranguejo em pele brotando inverso na areia.
A espuma quebra a cada passo, sal preservando,
horizonte de amor em voo
e beleza fraturada sob palha e chuva.

* Fotograma de Abril Despedaçado, de Walter Salles (2001)

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

A Beleza, etérea carne



“Então aperfeiçoe a sua obra de arte e coroe o seu amor. Enobreça a sua vida e mostre aos céticos o que um verdadeiro artista pode fazer.”

- Através de um Espelho, Ingmar Bergman (1961)

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

O nada desemboca, molde assíduo

Não há
com sentidos inascidos
a divisar na água
cantos perdidos

– decifrar o ausente
não é desfruir
à frente dos olhos
sonoros roçares

é parir
inconformados
inéditos molhares.

domingo, 13 de janeiro de 2013

A fluidez diáfana dos portais

Ela observava a caneta girando entre os dedos. Os ponteiros não se moviam. O ar se abafava aludindo anseio. Ao lado um homem mirava folhagens pela janela. Os aplicadores de colete amarelo piscavam o direito de perambular. Ouvia cada farfalhar de tecido, cada respiração mais funda, cada toque nervoso na madeira, com a clareza do silêncio mais limpo. Penetrava impávida na bifurcação suspensa do seu próprio tempo.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

punhal, espelho rubro

não sei se me projeto, ou me finco, te firo, para num grito vires a mim, curador solitário do meu próprio veneno, te miro, vista de faca, no inverso das lentes, mescla de foi e de não é, te acolho, cavidade acesa, palavra-cristal retinindo, incubando está e será, não sei se te distingo à míngua na outra esquina, funda densa esvanecendo o sentido de todas as elegias, fervendo manso os anseios em ruas de pedras molhadas, calejadas das solas de muitas tramas, no teu mover-se morando o estático das colisões de dores abertas, não sei se te grito, para num desejo de ferir vires a mim, curadora solitária do teu próprio veneno

sábado, 5 de janeiro de 2013

et un visage de femme

“Nada separa as recordações dos momentos banais. Mais tarde se distinguem, revelando-se como cicatrizes.”

- La Jetée, Chris Marker (1962)