N'água e na pedra amor deixa gravados
seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas e mais nuas.

"Entre o ser e as coisas"
Carlos Drummond

sábado, 28 de dezembro de 2013

DR

Ela já me esperava quando despontei na calçada do bar. Seu rosto fechado denotava a mesma ambiguidade e eu me cansava daquilo. “E então?” Ela me resvalou com um olhar trêmulo, como se deparasse um espírito em súbita materialização. “Eu não quero falar disso. Vamos sair daqui.” O trajeto para o motel de sempre (no começo eram muitos) parecia carente de um mínimo sopro de sua presença. Ela se perdia ao meu lado, desaparecendo nas nuances de sua inexorável abstração, e eu, por minha vez, me desnorteava percorrendo atalhos que jamais conduziam a ela.

Entrando na suíte, ela tirou a roupa e se deitou. “Só quero ficar pelada do seu lado. Deita comigo.” Mais um de seus caprichos. Tirei a roupa, nos cobrimos com o lençol de seda e ela pousou seu rosto no meu peito, me enlaçando com aquele perfume que me inebriava. Maldito perfume. Eu até me conformava de não transar só por causa dele. O problema é que fazia tempo demais. Perfume algum bastaria para manter-nos juntos assim. “Você precisa ir ao doutor.” Ela deu um suspiro, cheirou meu pescoço e me beijou. “Eu não consigo ligar. Você liga pra mim?” Após tanto tempo, um sorriso simultâneo entre nós. Acariciei-lhe as lágrimas com a ponta dos dedos, meditando em como uma consulta médica pode ser capaz de dar esperança a uma relação.

2 comentários:

Simone Teodoro disse...

Ah,a amor, assim como a vida, pode ser ainda mais terrivelmente triste quando há esperança.
Seu texto comunica isso.

Simone Teodoro disse...

Ops!, O amor... rs