N'água e na pedra amor deixa gravados
seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas e mais nuas.

"Entre o ser e as coisas"
Carlos Drummond

quarta-feira, 30 de abril de 2014

O plantio do afeto

Ela quer disseminar, através da solidez afetuosa de suas fortes palavras, bênçãos de comunidade sobre o coletivo despercebido de seus raios; faz-se amena e infiltra suave, adaptando o brilho ofuscante de seu solo extenso e prenhe de sementes de camufladas utopias ao alcance das mãos; aos que se aproximam, a surpresa renovadora de sonhos compartilhados e tratados em suas feridas, a ação sutil e expansiva de bálsamos que incendeiam num momento para aguar e refrescar em viço na volta seguinte; o abraço construído na estrutura de emoções resguardadas em sua abertura, reluzindo como espelho das aspirações de todos, abarcando na melodia do encontro a insistente fé em dias melhores, instalados na potência inscrita nos recantos de toda seiva; generosidade fluindo abundante a regar o âmago dos seres.

sábado, 26 de abril de 2014

Um poço para sua beleza

Ela quer desvelar sua alma à realidade etérea, sutil, no limite de qualquer substância; plantar, umedecendo a terra com sua fatia mais densa (água, de tão transparente, invisível), no fundo da distância exata, falando à semente como se aborda um infante, ondulando cantigas de embalar e seduzir, com a paciência deleitosa do lavrador temperado nos ciclos de noite e dia, impregnando cada palavra com a discreta força de um recomeço tingido de luta, conduzindo-se à dura beleza conquistada em meio a vacilos (ah, o tempo presto cobra o justo pedágio); ela quer se encontrar e verter o seu mais íntimo através do duto mais claro, que, rebelde a suas esperas, se faz opaco e rugoso; o poço em que se dobra a sua torrente, numa cachoeira a reluzir nuas verdades, não lhe parece acolher com a segurança de um chão que sustente e floresça, algas estranhas moldando-se em pedras rasas, ameaçando o equilíbrio de mergulhos parecendo interditos como escorregadias intempéries; as águas valentes caem, no entanto, o que era escasso transmudando em profundezas, plenitude de vida submersa que ela procurava quase às cegas, insciente da maravilha inscrita em suas próprias premonições; manancial abundante e vivo, entre curvas de troncos e raízes retomando a forma potente de um regato, renovado perenemente nas fontes da bela e sublime imagem; ela encontra o seu traço, descendo a colina sob as sombras de árvores altas e frondosas, ela escolhe enfim o seu poço, num mergulho se despe em delicadeza que a envolve na inesperada entrega.