N'água e na pedra amor deixa gravados
seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas e mais nuas.

"Entre o ser e as coisas"
Carlos Drummond

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Um solo fértil

Aliando-me ao tempo,
fluo ao ritmo do meu ser.

Os instantes se sucedem como um fio que se estende,
imagens se desmanchando suaves
no movimento sem início e sem fim.

Oferecendo-me ao vento e suas carícias,
embebido em flamas contidas,
na terra derramo respingos de alvorecer.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

O "palanque whatsapp" e o "pensamento fast-food"

Tornou-se comum, no whatsapp, o compartilhamento de textos, que são repassados de grupo em grupo – como é o caso deste aqui.

Muitos deles versam sobre política.

Esse é um assunto que interessa a todos, já que a política diz respeito ao que é de interesse público. Assim, é da maior importância que haja compreensão plena dos textos que cada um compartilha com seus grupos.

Muitas vezes me pergunto se essa compreensão é sempre clara para todos os que repassam tais textos. Em geral, são textos críticos, de tom exaltado – e é fácil entender por quê.

Os governos, em todas as suas esferas, executiva, legislativa e judiciária, estão, de fato, em um nível muito baixo de qualidade, de justiça e de honestidade, e, portanto, merecem muitas críticas.

(Para dizer o mínimo.)

Além disso, sempre há opiniões diferentes sobre que programas devem ser executados, e é saudável estabelecer um diálogo sobre que direção os governos devem tomar.

Mas me parece que, em muitos desses textos, o que provoca a simpatia dos leitores, e seu repasse a outros grupos, é um “tom” geral que os permeia. Um “tom” que dá a impressão de ser “contra” este ou aquele partido, este ou aquele programa de governo.

E, assim, tomando-se o “tom” como oposição ao que se considera equivocado ou injusto, todas as minúcias, todos os detalhes do texto, acabam passando como verdades, que “consumimos” e adotamos sem muita reflexão.

A própria natureza do whatsapp (e também do e-mail, onde textos do tipo também circulam) é a da velocidade. Instantes depois de recebermos cada mensagem, novas mensagens aparecem, e passamos rapidamente de uma a outra. Além disso, recebemos as mensagens no meio dos nossos afazeres cotidianos, então é difícil se demorar em cada uma delas.

Mas essa velocidade pode impedir que haja uma compreensão mais exata de cada uma das afirmações dos textos, sendo absorvido apenas o “tom” deles. A compreensão demanda um certo tempo, pois é necessário refletir sobre o que é lido.

Muitas vezes as afirmações presentes nos textos possuem implicações que não são claramente percebidas. E, desta forma, vai se formando uma opinião pública, que é baseada na repetição de pensamentos, e não na reflexão autônoma sobre eles.

É como se estivéssemos sendo consumidores de pensamentos “fast-food”.

E esse é um tipo de pensamento que não nutre a nossa mente. Um tipo de pensamento que não a fortalece. Um tipo de pensamento que não contribui para nossa evolução como sociedade.

Pois é um tipo de pensamento em que, ao invés de pensar, nós “somos pensados”.

E os autores dos textos acabam arregimentando simpatizantes, aproveitando um sentimento de indignação legítimo para, subliminarmente, disseminar opiniões que lhes interessam. Opiniões, muitas vezes, enganadoras, falaciosas, com implicações imprevistas, baseadas em supostos “fatos” que, se fossem checados, se revelariam falsos.

Tomando este próprio texto como exemplo, consideremos:

Há, em algum momento, uma crítica direcionada a este ou aquele partido, a este ou aquele programa de governo? Ou é somente o “tom” do texto que dá essa impressão?

Pois o que tento dizer não é que este ou aquele partido está certo, este ou aquele programa é desejável ou não, esta ou aquela opinião é correta ou errada.

A questão, aqui, é entender com profundidade o que estamos lendo. E, assim, ter mais poder sobre nosso próprio pensamento. Poder para formar opiniões mais claras. Mais consistentes. Mais embasadas. Mais refletidas. E, no fim das contas, mais fiéis à nossa própria maneira de ver o mundo.

E, assim, poder estabelecer diálogos mais produtivos, que transcendam o nível das ofensas e atinjam o nível da busca clara, e ao mesmo tempo firme, daquilo que deve nortear a política do nosso país, do nosso estado, da nossa cidade.

Lembrando sempre que o respeito à opinião do outro é indispensável para a democracia e para o avanço de nossa sociedade. Não é desqualificando o outro que se evolui, mas através da participação consciente e do diálogo produtivo.

E diálogo é diferente de dois monólogos se enfrentando.

Ouvir, abrindo-se para entender e refletir sobre o que se ouve, é tão importante quanto falar.

Protestar é fundamental para a melhora da nossa sociedade, mas é o protesto com pleno conhecimento de causa que pode garantir uma melhora verdadeira.