N'água e na pedra amor deixa gravados
seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas e mais nuas.

"Entre o ser e as coisas"
Carlos Drummond

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Labareda

Transpondo ermidas,
demoro-me em brasas,
inopinados estalos
fermentando pele
e gretando poros.

Escarvo as fissuras
com tinta rubra,
de joelhos desvestidos
arrasto a dobra
no canto dos olhos.

Sugo da flébil chama
o branco nas veias
e o ocre que no horizonte
destoa do vil.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Cerco

Um dique caudaloso
se ergue disfarçado
entre as noites.

Sangro tijolos a derreter
num baluarte sem trégua,
trinco furos transviado
tateando por estrias.

Acumulo goteiras,
faço-me trovões,
não me escondo
da cheia que me espreita
enquanto sondo.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

A plangência da terra

Os camponeses,
tomando banho de vento,
pra lá de cancelas douradas
ninam carcaças,
os olhos sugando
a umidade do corpo.

Anjos se arrojam,
sonhando fundir-se
enlamaçando a caatinga;
carecendo de violência,
asas densas como pólen
insuflam pulsos informes,
fios de virada na devastação.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Canto ao instante que perfura

O balanço dos seus olhos claros, como um sino plangendo na transparência que me encobre, escorrendo na temporalidade como um marulho inebriante inundando as fissuras do comedimento, assinalando a cada curva uma lancinante afronta à tacanha desolação de todos os respiros, na ilusão luminosa de um preciso instante encravando dedilhos na indefesa tessitura de minha alma a tropeçar em seu laço cristalino e úmido, involuntariamente paralisando num agudo improvável a desintegração irreversível do que já não é, na eternidade que esgarça o tempo perfurando a fábrica do incansável movimento.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Sussurros

 

A discrição da bondade


Os anjos não são alegres
– imortalmente assistindo
com lupas os que guardam
a fraturar-se tolamente –
prisioneiros por escolha
do sol que neles pulsa
e que são,
rompendo em gêiser
sua individualidade coroada
numa inteireza sem bordas,
privados de tato assoprando
venturas débeis
de um transparente rarefeito,
fulgindo no canto esquecido
sua resiliente e doída
paz.

II 

 

Interstício


variação em torno de uma rosa

Um fio em forma de caule
fura o cimento e respira
indiferente ao improvável.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Vazando a pele da terra

Bartenders de olhos cravados
espremem palavras, entornando
o suco vermelho em poros,
misturando empatias ensurdecidas
por gritos próprios, pilando
cacos de toques afáveis
lascados em acidentes mudos
ingenuamente provocados.

Como cães ladrando para espelhos,
em acessos de contragosto
nas taças do involuntário,
insabido, narciso esfarrapado,
a turba embala analgésicos
em projéteis atirados,
desastrados, nos pés
despercebidos a mancar
rasgados, sobre o visco inotável
escorrendo ligeiro na vereda
que lamentada se corrói.