N'água e na pedra amor deixa gravados
seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas e mais nuas.

"Entre o ser e as coisas"
Carlos Drummond

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Céu vago e silhueta antes do sol

Uma estória não me foge da cabeça.
Desenrola como tapete lilás,
compassando o balanço dos meus pés,
bailarina em brasa a conduzir acorde e vinho.
Todo o chão se colore em música,
tons menores verberando em cordas sustenidas,
bandeira leve tremulando na brisa alecrim.
Ao longe o mar o espera,
interseção de dia e madrugada,
tempo e nota deslizando como sangue ralo,
caranguejo em pele brotando inverso na areia.
A espuma quebra a cada passo, sal preservando,
horizonte de amor em voo
e beleza fraturada sob palha e chuva.

* Fotograma de Abril Despedaçado, de Walter Salles (2001)

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

A Beleza, etérea carne



“Então aperfeiçoe a sua obra de arte e coroe o seu amor. Enobreça a sua vida e mostre aos céticos o que um verdadeiro artista pode fazer.”

- Através de um Espelho, Ingmar Bergman (1961)

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

O nada desemboca, molde assíduo

Não há
com sentidos inascidos
a divisar na água
cantos perdidos

– decifrar o ausente
não é desfruir
à frente dos olhos
sonoros roçares

é parir
inconformados
inéditos molhares.

domingo, 13 de janeiro de 2013

A fluidez diáfana dos portais

Ela observava a caneta girando entre os dedos. Os ponteiros não se moviam. O ar se abafava aludindo anseio. Ao lado um homem mirava folhagens pela janela. Os aplicadores de colete amarelo piscavam o direito de perambular. Ouvia cada farfalhar de tecido, cada respiração mais funda, cada toque nervoso na madeira, com a clareza do silêncio mais limpo. Penetrava impávida na bifurcação suspensa do seu próprio tempo.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

punhal, espelho rubro

não sei se me projeto, ou me finco, te firo, para num grito vires a mim, curador solitário do meu próprio veneno, te miro, vista de faca, no inverso das lentes, mescla de foi e de não é, te acolho, cavidade acesa, palavra-cristal retinindo, incubando está e será, não sei se te distingo à míngua na outra esquina, funda densa esvanecendo o sentido de todas as elegias, fervendo manso os anseios em ruas de pedras molhadas, calejadas das solas de muitas tramas, no teu mover-se morando o estático das colisões de dores abertas, não sei se te grito, para num desejo de ferir vires a mim, curadora solitária do teu próprio veneno

sábado, 5 de janeiro de 2013

et un visage de femme

“Nada separa as recordações dos momentos banais. Mais tarde se distinguem, revelando-se como cicatrizes.”

- La Jetée, Chris Marker (1962)