N'água e na pedra amor deixa gravados
seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas e mais nuas.

"Entre o ser e as coisas"
Carlos Drummond

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

sua nudez esconde uma outra

carregava
no velado
desnudamento

invisível
às amantes
a esvair
qualquer
físico
contorno

escancarado
aos próprios olhos
na ausência mesma
de reflexos

as cicatrizes
abertas
úmidas e tortuosas
em altos relevos
dos ricochetes
de seus ditos
transversos
e silêncios
de gumes
duplos

pisando
lembranças rasgadas
a sangrar mentiras

além da moral
o afligiam
as pernas mancas
do encobrimento

domingo, 26 de agosto de 2012

eles fenecem nos postes mas se adaptam como mosquitos

orienta-me
sábio dia
nesta esfinge
obscuro néon
de vermelhos
e liláses
cujo sentido
não distingo
através
do meu porre
existencial

confundem-me
vozes baratas
atordoado
por números
saltitantes
e cantilenas
astuciosas
permeadas
de sorrisos
a prometer
bem armados
de velhas
ressonâncias
com néons
de mesmerizante
coloração
ruas
noturnas
com despreocupados
movimentos
como a chamar
insones crianças
para brincar
em parques
ermos
livres
de atentados
ao pudor
de integridades
corpóreas

quero
embriagar-me
às quatro da manhã
e tropeçar
incólume
pela cidade
que me deita
com glicose
e café
extra-forte

o único fogo
do silêncio
nas camas
dentro
de portas
e voluntários
gemidos

orienta-nos
sábia manhã
e nossas janelas
inteiriças
e resolutas
no cerne
da dignidade
não precisarão
de repelentes

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

o pianíssimo movimento das indagações

um ponto de interrogação
lançado ao espaço

(tão longe, tão perto)

em que a gravidade 
e a duração dos impulsos

(seres, esferas,
transitando em ar
ou em vazio)

executam
com bravos em surdina

(a plateia
deseja alcançar
impossíveis
distâncias)

uma matemática
e indecifrável
sinfonia

(números de vinte
casas se multiplicam
de cabeça em
cordas de muitas
oitavas)

não pode ser respondido
por mudos

(cegueiras tornam
nulos os sinais)

ou línguas abafadas
pelo ceticismo
dos ouvidos

sábado, 18 de agosto de 2012

pés não vivem sem distâncias

seus pés
desnudamente sujos
por solas gastas
ou limpos
fatigados dentro
de meias grossas

eu invejo

seus sapatos
com seu vai-e-vem
seus breves
sobressaltos
extremidades
encardidas
e quilometragem
do tempo aliada

o movimento
cortando deliberado
o lépido repouso

incansáveis e constantes
lamacentos e calejados

quero pés
que furem o chão
e trepidem a terra

terça-feira, 14 de agosto de 2012

ecos abortados retinem surdos

posto as mãos
em proximidade segura
sobre a rugosa camada
que de dentro
fura a sua pele
numa efusão
de não-ditos

o seu gemido
nitidamente contorcido
inambíguo
como ferro quente
nas ventas
sabe
a imagens borradas
em extravio

nem mesmo a morte
calaria os seus silêncios

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

com uma lança ela fere a convicção resguardada

a Amanda

caminhando
abutres à espreita
em voos baixos
e curvas
exalando descaso

tropeçando em grãos
de areia chata
ou em rochedos
num desnorteamento
míope
e fatigado

a fome resta
ao fim de banquetes
lautos
insensível e lassa
surda a qualquer menção
de céu azul
ou picos nevados

as palavras líricas
da poesia amada
penetrando o entendimento
sucumbem
em descompassadas sangrias
a fortalezas guarnecidas
por lamentos
sexo oleoso
e frias carícias
como o embalar
de engrenagens
desgastadas

os olhos secos
ardendo
num fogo alheio
o prazer terrível
da dor segura
e nunca ameaçada

soprando ventos
em direção à terra
coberta
num feroz desenlace
pelas úmidas ondas
de um golpe preciso
clandestino
e gelado

extravasando nas pupilas
o conteúdo das veias
rompidas
no derrame das cordas
num morticínio
da letargia prostrada
no romper da entrega
ao estúpido estupro
da morte
desinteressada

revolvendo em tornados
o espírito do incêndio
o desaguamento impávido
em encostas devassadas

atirando
ao extremo das nuvens

o grito
incerto e despertado
estilhaçando as certezas
no jorro enfático
da voz rouca
revivida
conquistada