N'água e na pedra amor deixa gravados
seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas e mais nuas.

"Entre o ser e as coisas"
Carlos Drummond

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

meus olhos sem nitidez tateiam o mundo

no epicentro
dos desentendimentos

a perplexidade
como uma faca invade
minhas certezas

lentes justas
partidas no chão

ouvidos tontos
da dança escura
das versões

palavras como ventos
oscilam raízes
cujos cheiros
me confundem

relampeando ódios
sobre galhos
secos de fertilidade
folhas cinzas
e dores inflamáveis

restarão florestas
ao esgotar das desavenças
sobrará movimento
na seiva exausta
e nos caules implodidos

dúvidas ao cubo
entorpecendo o rumo
demandando frequências
sem receptor

piso firme
o asfalto encharcado
desviando poças
com as solas lisas
do abalado discernimento

o norte me espera
enquanto míope
com uma lanterna vagueio

primeiros socorros
no bolso de trás
o único
que não rasgou

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Seu sorriso lhe penetra como o último sopro

Não me surpreendem mais
os espetáculos vermelhos,
os gritos de vidro
como sussurros brutos
isentos de lacrimejar
e de arrepio,
sobre um palco com cheiro
de flor e de estrume.

Nada além de personagem,
separo lixo e papel,
improviso unguentos,
caminho feliz
com olhos lacerados.

Meu peito,
em serena agonia,
abraça e contrai,
mas não implode:
sou a alegria rebelde,
sou a vida na morte.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

um suspiro e uma bomba h se enroscam agitando as águas

construir pontes
em arquipélagos
demanda engenheiros
de extensos oceanos

tantos deles
se sucedem
a pelejar
o fracasso
de distâncias
ansiantes

alucinadamente
no mesmo lugar
do espaço corporal
dois espectros
se anulam destruindo
na fissura
dos átomos em choque

as estruturas caem
e a vida foge

até voltar

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Não tente derrubar alheias represas

Não abra
suas comportas
em coração algum.

Não afogue,
de ninguém,
alma ou corpo,
no envoltório impróprio
dos seus irrefletidos
arroubos.

Os seus rios,
com correntes incontidas,
ameaçam afundar-te
na mesma medida
de suas caudalosas
investidas.

Use,
ao contrário,
o movimento compassado
de suas águas livres
como energia precisa,
renovando seguro
a vitalidade hospitaleira
do seu justo lugar.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

a brisa resvala da torre movendo os cabelos docemente

não quero subir elevadores cinzas
de edifícios armados de câmeras
mas pintar suas paredes de azul-céu

atingir o relento dos andares mais altos
dançando um rito no ritmo dos astros
cujos brilhos cadentes não distingo

missivar nuvens com sopros
levando em sua química etérea
a água dos enfermeiros
chovendo nos campos da lida
a abrandar retinas cegas de estrondos

o peito contorcido em divisão
dizendo ‘longe’ e tão perto tão dentro

o que se passa nos olhos lacerados
do derradeiro registro de ser

não são capuzes tremulando de orgulho
mas o despido vento dos seus

domingo, 7 de outubro de 2012

oração para um dia em que votei

eu sopro ventos de paz
acarinhando os que têm paz

quebrando afiados
máscaras
de violentos parasitas

restando gosmas
adubo
penetrando machucados
de hereditários desprezos

brotando flores fugazes
débeis intentos de cor
logo fanando
como olhos inanes
da beleza
que se achega da pureza
do gesto da criança
que dá feliz
e se dá

eu sopro
ventos de paz

voando folhas mortas
bailando em rituais
que não enxergamos
a olho nu

quando chega
o frio desolado
é preciso arrancar
raízes combalidas

plantar ervas
com o auxílio de lareiras
compor unguentos
para futuras florações

ventos de paz

soprando
entre muitos ventos
ventando ao relento

no ar que circula
em todos os pulmões

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

penetrando pupilas eu vejo o universo

todos
os seres
importam
nenhum
é especial

(as íris
compondo
infinitos
particulares
resvalam
valores
mas não tombam
a gravidade
dos corpos)