N'água e na pedra amor deixa gravados
seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas e mais nuas.

"Entre o ser e as coisas"
Carlos Drummond

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

sábado, 28 de dezembro de 2013

DR

Ela já me esperava quando despontei na calçada do bar. Seu rosto fechado denotava a mesma ambiguidade e eu me cansava daquilo. “E então?” Ela me resvalou com um olhar trêmulo, como se deparasse um espírito em súbita materialização. “Eu não quero falar disso. Vamos sair daqui.” O trajeto para o motel de sempre (no começo eram muitos) parecia carente de um mínimo sopro de sua presença. Ela se perdia ao meu lado, desaparecendo nas nuances de sua inexorável abstração, e eu, por minha vez, me desnorteava percorrendo atalhos que jamais conduziam a ela.

Entrando na suíte, ela tirou a roupa e se deitou. “Só quero ficar pelada do seu lado. Deita comigo.” Mais um de seus caprichos. Tirei a roupa, nos cobrimos com o lençol de seda e ela pousou seu rosto no meu peito, me enlaçando com aquele perfume que me inebriava. Maldito perfume. Eu até me conformava de não transar só por causa dele. O problema é que fazia tempo demais. Perfume algum bastaria para manter-nos juntos assim. “Você precisa ir ao doutor.” Ela deu um suspiro, cheirou meu pescoço e me beijou. “Eu não consigo ligar. Você liga pra mim?” Após tanto tempo, um sorriso simultâneo entre nós. Acariciei-lhe as lágrimas com a ponta dos dedos, meditando em como uma consulta médica pode ser capaz de dar esperança a uma relação.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

No meio do caminho tinha uma flor.
Era suave e flutuava nos meus olhos.
Colhi-a com mãos de pluma,
perfume se derramando em torno de mim.
Crianças sorriam a minha passagem,
cor de vida cortando os nimbos.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Ideia para viagem de carro por ruas de cidade:
cada corpo é uma história.
As faces me contam sem dizer.
Fisionomias penetrando como flashes no frio.
Saltar num banco de cimento,
a contemplar um ponto de ônibus.
Anotar no caderno de passeio,
com fibra, as dirigidas alucinações.
Sempre aquém do perene.
Cada sorriso se transformando em outra coisa,
cada careta também.
Não há pausa no itinerário dos rostos.
Volto ao carro e acendo o farol,
aciono as borrachas do para-brisa.
Encolhem-se corpos inermes,
recolhidos sem esperança na umidade inchada.
Rodo e o motor bebe o álcool
que abandonei.
Em pouco de novo o sol.
Faces contando mudas,
flutuando pesadas como flashes no frio.
A faísca, discreta,
germina sob a reprimida pele do chão.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

...surpreendi-me, atravessando o passo lento do escurecer, na transparência de um velado panorama, silhueta de concreto erguido, lado a lado, numa composição terrível e sublime, elevando sua face prateada e concisa ao pico em que me encontrava; sentado no cerne do noturno, silêncio débil cortado por desgarrados automóveis, luzes amarelas de rua em contraponto com janelas acesas como estrelas num céu de sono. Eu via homens, no desagasalhado embaraço do sonho, entranhas expostas à minha inquisição; juiz provecto esclarecendo-se úlceras na iluminação da senilidade, denotando espelhos no sangue e no sal, pousando o martelo ardiloso e infame como oferta aos ventos que virão. Mulheres, desacorrentadas das dúbias oscilações de errantes fantasmas, cantando a alma como adesivos foscos no fogo de uma tocha; abrindo, à semelhança de virgens em um rio, a subscrição dolorosa da desconfiança, expunham-se, num amálgama de hesitação e ousadia, aos abismos de que se fariam luz. Um cheiro de vida exalava da cidade como de um vale, umidade de gritos e suor abafado, estertores orgulhosos do viço de suas chagas; lágrimas curando desnorteios como crustáceos imergindo, risos apertados entre ar cálido e cílios resvalando. Eu sorvia a madrugada como sentinela do desvario dos seres, ensaiando o sereno no pausado movimento das minhas cismas...

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

...finjo não acreditar nas palavras que colho da sua boca em flor etérea, melodias resvalando o quase da borda dos meus tímpanos; num ilusionismo barato e sem efeito, deleito-me no fantasma do seu olhar terno a recitar versos de amor. Como Marcel, educo-me nas neblinas solertes do que há pouco me escondia: o que lhe atribuo, num assédio de resfôlego e desrazão, jamais virá-me de você, e assim me desespero. Espera ingrata seria, furor desmedido arrebatando todos os dedos e as solas dos meus pés, não restaria derme, tudo de que me visto desfazendo-se em poeira que secretasse de cavidades agonizando. Não foi a sua voz, que primeiro de tudo ouvi, não o rosto, não o acanhado corpo a velar tanto viço e tanto fogo; foi a música, foi você me esperando, foi a face pressentida do seu aguardo na plateia, figuração estrangeira de um baixo-relevo que me vive ainda. Foi a separação. O adeus estampado nas fibras resolutas das suas lágrimas, o olhar dançando como ventania no horizonte, maldito longe desabando certeiro sobre o tênue cristal dos nossos dedos enredados. O vermelho do que pulsa e do que dói, do que dá a vida ou a destrói, os rastros viscosos das antigas carícias de cetim, dissimulados pela areia espessa da juventude que se esvai, súbito revolvem meus órgãos transbordando nos olhos que não te veem mais: rio sinuoso a marulhar no oceano escuro do esquecimento que reluta em vingar. Escapo-me de remates, não me despeço agora do que ensaio na cratera da sua eterna passagem: amanhã é noite sem lua, esparramo a falta no próximo céu distante e claro...

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Língua: código, pensamento e interação

As principais teorias que, na linguística contemporânea, procuram explicar o fenômeno da língua, podem ser agrupadas em três famílias. Elas se distinguem pela definição que propõem para o objeto: a língua como sistema de códigos, como atividade mental e como atividade social.

A abordagem da língua como sistema de códigos estuda o seu aspecto formal – seus elementos fundamentais (alfabéticos, morfológicos, fonéticos, sintáticos e semânticos) e as relações entre eles. Analisa, sob esse prisma, a maneira como as conexões entre os significantes (os símbolos: o som ou a grafia das palavras) e os significados (aquilo a que os símbolos se referem) criam o sentido, possibilitando a mútua compreensão entre os usuários de determinada língua, através do encadeamento linear das palavras, de acordo com certas regras.

Focalizando a língua como atividade mental, estuda-se a maneira como ela é um instrumento de expressão do pensamento, através de mecanismos mentais inatos, que possibilitam a sua introjeção como realidade interior.

A visão de língua como atividade social a insere nas situações concretas em que é usada, apontando que determinados fatores, ligados ao contexto das interações, são essenciais para a sua compreensão plena. Desse modo, o ambiente em que ocorre o ato de fala, o momento histórico, os conhecimentos prévios compartilhados pelos interlocutores, os preconceitos de cada um, a posição social e as expectativas mútuas devem ser levadas em consideração.

As três escolas, longe de se excluírem mutuamente, proporcionam, em conjunto, cada uma à sua maneira, um conhecimento mais completo do fenômeno da língua.