eu indagava
o que é que me movia
o que é que incandescia
o que é que me inflamava
convulsionava
o avesso
da moção
(eu era inerte
e perdurava como morto
água gelada
despejada
em minha nuca)
as atrocidades
além das cortinas
dos nossos lares
(e ao pé
dos abajures)
o pulsar de um grito
relampejante na escuridão
de uma manhã de sol
rachando o asfalto
o breu explodia
para num sopro turvo
encobrir a luz
a ranhura insistia em pilhar
meus ouvidos
enquanto tantos se faziam
surdos
afeitos à balbúrdia
e ao engalfinhar
de tantas feridas
(cegas
medonhas
sem saber
de si)
desprovido de pálpebras
eu enxergava ainda
num lacrimejar
incessante
relatando
infâmia
e piedade
tropeçando em rotos
e mutilados
em espelhos quebrados
ladeando o humano
indevassável
(eu morreria como fosse
diluviano na seca
consumido em estalos
inscrevendo
em meu epitáfio
partitura de alerta
caligrafada com o sangue lasso
dos meus tímpanos graves)
N'água e na pedra amor deixa gravados
seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas e mais nuas.
"Entre o ser e as coisas"
Carlos Drummond
domingo, 29 de abril de 2012
quarta-feira, 25 de abril de 2012
As feridas querem olhos que as penetrem docemente
Eu cheguei em você
e te vi,
despida não em corpo,
mas no desenho dos astros,
no céu do seu sol nascido
aquela hora.
Era daqui que te via,
e como poderia ser de outro lugar,
uma pergunta de resposta clara,
mas que de tão importante
se faz preciso realçar.
O que vi, de imediato,
foi sua busca por si mesma,
uma ânsia de descoberta
até então impressentida,
mas que agora, em combustão
interna, te queimava sem clemência,
convencendo, impassível, qualquer
incerteza, com persuasão que só você
poderia portar, penetrando
habilmente todas as células,
tornando quase instantânea
a resolução de se arriscar
na temerosa jornada.
Você foi, numa súbita injeção,
inundada por uma compaixão inquieta
que te apresentava feridos
onde esperava oponentes,
até se dar conta
de que se deparava consigo,
suas próprias armas voltadas, tétricas
e solenes como medievais espadas,
contra a pele tenra das suas vulnerabilidades
mais recônditas e preclaras.
Tomada por ímpetos revolucionários,
investiu na palavra como a força criativa
dos recursos regeneradores,
num combate árduo que te misturava
em amante, em fera, em sábia, em ouvinte
de uma voz imprevista que te seduzia,
amealhando os tangíveis valores
da alegria cálida, abertamente celebrada.
Num clarão imponente,
esgotando as forças
dos meus olhos exíguos,
contemplei em você o amor,
derrubando irredutível os muros
das feridas zelosamente guardadas,
e, a salvo do traço incisivo
de todos os olhares,
se revelava a aventura,
com pontes invisíveis
sobre terríveis abismos,
vida, loucura e morte espreitando
nas cavidades suscetíveis do êxtase
mais visceral, dilemas hercúleos
de ardentes figuras que,
sob o toque úmido e frio
da confiança e da razão restauradas,
apresentavam as mãos fechadas que,
aguardando com paciência escassa,
sujeitavam-se ao seu aceno,
prontas para abrir.
Cego e sereno,
não pude inteirar-me
de sua escolha,
mas parti levando a felicidade
de deixar-te entregue a si,
como sempre firme, como sempre bela,
agora prenhe e fortalecida,
na lucidez de quem conhece, cuida
e dá o valor devido
às cicatrizes e feridas.
e te vi,
despida não em corpo,
mas no desenho dos astros,
no céu do seu sol nascido
aquela hora.
Era daqui que te via,
e como poderia ser de outro lugar,
uma pergunta de resposta clara,
mas que de tão importante
se faz preciso realçar.
O que vi, de imediato,
foi sua busca por si mesma,
uma ânsia de descoberta
até então impressentida,
mas que agora, em combustão
interna, te queimava sem clemência,
convencendo, impassível, qualquer
incerteza, com persuasão que só você
poderia portar, penetrando
habilmente todas as células,
tornando quase instantânea
a resolução de se arriscar
na temerosa jornada.
Você foi, numa súbita injeção,
inundada por uma compaixão inquieta
que te apresentava feridos
onde esperava oponentes,
até se dar conta
de que se deparava consigo,
suas próprias armas voltadas, tétricas
e solenes como medievais espadas,
contra a pele tenra das suas vulnerabilidades
mais recônditas e preclaras.
Tomada por ímpetos revolucionários,
investiu na palavra como a força criativa
dos recursos regeneradores,
num combate árduo que te misturava
em amante, em fera, em sábia, em ouvinte
de uma voz imprevista que te seduzia,
amealhando os tangíveis valores
da alegria cálida, abertamente celebrada.
Num clarão imponente,
esgotando as forças
dos meus olhos exíguos,
contemplei em você o amor,
derrubando irredutível os muros
das feridas zelosamente guardadas,
e, a salvo do traço incisivo
de todos os olhares,
se revelava a aventura,
com pontes invisíveis
sobre terríveis abismos,
vida, loucura e morte espreitando
nas cavidades suscetíveis do êxtase
mais visceral, dilemas hercúleos
de ardentes figuras que,
sob o toque úmido e frio
da confiança e da razão restauradas,
apresentavam as mãos fechadas que,
aguardando com paciência escassa,
sujeitavam-se ao seu aceno,
prontas para abrir.
Cego e sereno,
não pude inteirar-me
de sua escolha,
mas parti levando a felicidade
de deixar-te entregue a si,
como sempre firme, como sempre bela,
agora prenhe e fortalecida,
na lucidez de quem conhece, cuida
e dá o valor devido
às cicatrizes e feridas.
sexta-feira, 20 de abril de 2012
para lembrar sua alma esquecidiça
eu queria
fazer acupuntura
no seu coração
cuidando
da mais ínfima
arritmia
enxergar
na sua íris
cada cristal
corrigir
em sua retina
a inclinação
que te faz
ver sombra
onde há luz
e sombra
limpar
seu espelho
com o lustre
dos meus olhos
ser concisamente
um gentil choque
em sua alma
entorpecida
um mensageiro
que te entregue
a você mesma
na exata proporção
fazer acupuntura
no seu coração
cuidando
da mais ínfima
arritmia
enxergar
na sua íris
cada cristal
corrigir
em sua retina
a inclinação
que te faz
ver sombra
onde há luz
e sombra
limpar
seu espelho
com o lustre
dos meus olhos
ser concisamente
um gentil choque
em sua alma
entorpecida
um mensageiro
que te entregue
a você mesma
na exata proporção
domingo, 15 de abril de 2012
Elogio do tempo abandonado
Os meus anos
foram como degraus
que você,
com sua gana e teimosia,
quis galgar.
Eu era tão alto
que você suspirava
entre vertigens,
rodopiava o rosto,
deixava cair a cabeça
na nuca, expondo
a brancura lívida
do pescoço,
ofertando,
num gesto generoso
e arriscado,
a pele, o pelo, o colo,
o poro.
Meu toque molhado
e o correr vagaroso
dos meus dedos,
no limite da insensibilidade,
te eriçavam, entregue,
subtraindo-te a noção
do tempo e do espaço
na velocidade de um felino,
e você se molhava
ainda mais,
convidando sem dar por si
a zelosa ocupação
de todas as suas cavidades,
tremulando afoita
numa espera abandonada
que eu de pronto atendia.
O depois você não ousou mencionar,
nem eu quis aludir,
para não vir a trair, involuntário,
a fragilidade quebradiça
de qualquer temerário
aceno ou afirmação.
Você aceitou, num tácito compromisso,
meu convite de silêncio reverente
ao porvir incerto,
do calar dos olhares que,
tresloucadamente circunspectos,
se atiram além dos horizontes.
A sua umidade é o seu convite,
reiterado na tessitura das impressões,
e eu o aceito, macio e doce,
em cada nervo, em cada acento,
e em cada recanto em mim
que te grita num sussurro:
agora.
foram como degraus
que você,
com sua gana e teimosia,
quis galgar.
Eu era tão alto
que você suspirava
entre vertigens,
rodopiava o rosto,
deixava cair a cabeça
na nuca, expondo
a brancura lívida
do pescoço,
ofertando,
num gesto generoso
e arriscado,
a pele, o pelo, o colo,
o poro.
Meu toque molhado
e o correr vagaroso
dos meus dedos,
no limite da insensibilidade,
te eriçavam, entregue,
subtraindo-te a noção
do tempo e do espaço
na velocidade de um felino,
e você se molhava
ainda mais,
convidando sem dar por si
a zelosa ocupação
de todas as suas cavidades,
tremulando afoita
numa espera abandonada
que eu de pronto atendia.
O depois você não ousou mencionar,
nem eu quis aludir,
para não vir a trair, involuntário,
a fragilidade quebradiça
de qualquer temerário
aceno ou afirmação.
Você aceitou, num tácito compromisso,
meu convite de silêncio reverente
ao porvir incerto,
do calar dos olhares que,
tresloucadamente circunspectos,
se atiram além dos horizontes.
A sua umidade é o seu convite,
reiterado na tessitura das impressões,
e eu o aceito, macio e doce,
em cada nervo, em cada acento,
e em cada recanto em mim
que te grita num sussurro:
agora.
terça-feira, 10 de abril de 2012
a pele é um pano cheio de manchas
num sabor
ácido
a esvair
incrustações
nos desmembramos
estourando
copos
entornando
cenas
usando
lápis-borracha
para apagar
sangue
vinho
e digitais
ácido
a esvair
incrustações
nos desmembramos
estourando
copos
entornando
cenas
usando
lápis-borracha
para apagar
sangue
vinho
e digitais
quinta-feira, 5 de abril de 2012
Intervalo
Escalar
o precipício.
Retornar
por retas curvas
ao indolente
ardor
de madrugadas
turvas.
Ouvir
o doce pulsar
das mentiras brancas
e esvair
o trêmulo soar
das horas infindas.
Abrir a garganta
ao céu
e engasgar-se
com a luminosidade
dos ventos.
Sentar-se
num intervalo
e sentir o tempo
roçar
eriçando os pelos
num desabrochar
de permanência
esquiva.
o precipício.
Retornar
por retas curvas
ao indolente
ardor
de madrugadas
turvas.
Ouvir
o doce pulsar
das mentiras brancas
e esvair
o trêmulo soar
das horas infindas.
Abrir a garganta
ao céu
e engasgar-se
com a luminosidade
dos ventos.
Sentar-se
num intervalo
e sentir o tempo
roçar
eriçando os pelos
num desabrochar
de permanência
esquiva.
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