N'água e na pedra amor deixa gravados
seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas e mais nuas.

"Entre o ser e as coisas"
Carlos Drummond

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Os onze goleiros de Montevidéu

O mais revolucionário pensador do futebol uruguaio, Juan de la Tierra foi, acima de tudo, um educador. Por todos os lugares onde passou, formou jogadores, desenvolveu talentos, fez cabeças e inflamou corações.

Atraído desde sempre pelo lado mais fraco, iniciou sua carreira numa cidadela dos rincões uruguaios, na década de 1950. Marcada até então pelo amadorismo, a vila viu nascerem dois clubes sob a supervisão de Juan. Seus "guerrilheiros", assim os chamava, adotavam um arsenal tático conhecido mais tarde como "futebol porta-estandarte". Os escudos dos times ficaram tão conhecidos que, até hoje, idosos chegam às lágrimas, apenas por contemplá-los. Cores, bandeiras, símbolos, mascotes e hinos. A mística em torno dos clubes era tão grande, e a devoção tão completa, que os massacres previstos contra equipes recém-saídas do amadorismo se transformavam em batalhas épicas.

Juan desapareceu nos anos 1970. Não se teve notícia alguma dele desde então, mas os boatos foram numerosos. Os mais repetidos, e confirmados por supostas testemunhas, alegam que de la Tierra ia de cidadela em cidadela, guardando pouso por alguns meses, ensinando a arte do futebol.

- Ele tem muitos disfarces - afirma Ramiro González, um suposto ex-aluno de de la Tierra. - Na minha terra, ele era grisalho e usava um bigodão. Anos depois, encontrei o professor em Carmelo, e ele estava ruivo, com um cavanhaque e brinco de argola na orelha direita.

É impossível medir o impacto de Juan de la Tierra no futebol uruguaio. Alguns dizem que foi um mero professor de escolinha do interior. Outros, mais fanáticos se não mais numerosos, alegam que sua influência vai muito além dos rincões.

- Qualquer um pode ter sido aluno dele - defende González. - Até você, haha. O fato é este: ele não queria ser encontrado, mas amava futebol. E nunca ia conseguir deixar de passar para a frente o seu conhecimento.

Juan de la Tierra criou muitas frases de efeito para sintetizar sua visão particular do jogo de futebol. A mais famosa dizia: "os onze são goleiros".

- É uma verdade óbvia. Se o teu time tá pra tomar um gol no último minuto, um gol que te elimina, e tu só tem um jogador de linha pra impedir, tu vai fazer o quê? Vai usar o jogador de linha, né? Com a mão, se precisar. E aí o que acontece? Ele é expulso e o teu goleiro vai ter que pegar um pênalti. Entre o adversário ter um gol certo e um gol incerto, não é melhor o incerto? Então, se é assim, os onze são goleiros.

Até hoje não foram encontrados os restos mortais de Juan de la Tierra. Estaria ele vagando pelo hades, sem direção, ou pelos rincões do Uruguai, ensinando futebol?

2 comentários:

l. f. amancio disse...

Observar a atual seleção uruguaia nos mostra bem essa idéia de os onze serem goleiros. E nem estou citando o exemplo do Suarez. A postura do time é essa, foco em não tomar gol, o que não quer dizer armar retranca. Toda bola no pé adversário é uma bola para ser disputada.
O Brasil ficou conhecido como a escola de futebol lúdico. O Uruguai, pela garra defensiva. Nessa Copa, o Brasil tentou ser Uruguai. Sorte a da Celeste que eles nunca vão tentar ser Brasil.

Emmy Batista disse...

Cara, aqui é o Marcelo que estudou com você na Letras.

Pra variar, textos excelentes, sempre!

Parabéns, cara!

Depois visite também o meu blog.
www.emmybatista.blogspot.com

abraço...