Uma cidade
não é apenas
uma cidade
ela está tanto nos discursos
nas mentes
quanto nos prédios
e esquinas
As ruas
onde em becos desenrola
não é uma novela das oito
parece mais o cronicamente inviável
ou outro filme
que vi no Belas
“não é um cinema fino?”
ouvem-se disparos
“da polícia?”
“do bandido?”
“do menino?”
e naquele mesmo beco
um herói anônimo
respira pela última vez
Tinham-lhe dito
que o crack
era uma mesmice inquietante
como um relâmpago
no edifício desolado
em uma noite perdida
como a serpente
“descer bahia,
subir floresta”
como poderia eu
ver a cidade
sem meus próprios olhos
“sempre que vou a uma cidade”
dizia ele
“tenho que ir ao cinema”
é um modo de conhecer
porque se eu morasse ali
iria ao cinema
faria compras
abasteceria o carro
pagaria contas
“sempre que vou a uma cidade”
dizia ela
“tenho que ser assaltada”
é um modo de conhecer
porque se eu morasse ali
seria assaltado
iria a um bar arrumado
sentaria num banco de praça
beijaria uma boca nativa
Em minha cidade
já fiz tudo isso
“descer floresta
subir bahia”
é uma vertigem
cercada de montanhas
por todos os lados
e os engenheiros
foi onde ouvi
minha primeira música
esquecida
quando meus ouvidos
eram puros
e meu grito
como o som de muitos mares
onde andei
no 9101
em que eu costumava anotar
todas as minhas impressões
num caderninho
e chegava na francisco arantes
com perfume de dama-da-noite
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