Indistinto, aprisionado no formato de sua própria concepção, espreguiça os braços, apalpando com as costas da mão os tijolos de sua cela autogerada.
Seu corpo cresce ferozmente e põe abaixo o invólucro que limitava seus movimentos. Ignorante de tempo e lugar, desconhecido de si mesmo e de todas as possibilidades que carrega o arbítrio inerente, assusta-se com um globo terrestre de delimitações marcadas na mesa da sala de estudos.
Num ensaio de retorno à condição diferenciada, voltam-lhe à mente as fotografias em preto e branco que repousavam na escrivaninha do tio-avô. Pouco a pouco suas lembranças se colorem e se expandem num vórtice de imagens nítidas e desconexas. A delicadeza do filme não resiste aos raios de sol refletidos pelo vidro do relógio, e décadas se consomem num incêndio sem propósito.
Ou seria este o esquecer, debruando as paredes da memória com fitas brancas, pintando as pedras brutas com a alvura das origens, condensando em um único pensamento o desenrolar de todos os novelos e de todas as tramas, compondo num só tom e numa só frase todos os andamentos?
Deparada a interrogação, aponta para cada coisa auferindo-lhe o nome, que parece sempre limpo, tenro e luminoso na recente descoberta, e assim reúne ditoso o vocabulário de tudo o que existe abaixo do céu azul.
Mas seu espanto maior se reserva para os olhos do homem que porta a essência de todos os perfumes, trazendo a chave mestra que lhe permite trafegar despercebido pelo labirinto dos corpos, impunemente tocando os espíritos com sua flauta arrebatada. Ele mira aqueles olhos cândidos e enrugados apenas por um instante, numa visão fugaz que se desmancha em travessões e reticências exclamadas.
Subitamente, no íntimo da própria vacuidade, abarca a plenitude do efêmero incessante, esperando de pé sob a chuva que fustiga docemente os seus cabelos. Tudo o que possui neste momento ímpar são potências, palavras e mãos vazias ao relento, consagradas agora ao improviso em um palco sem cortinas, sem holofotes e sem direção.
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