N'água e na pedra amor deixa gravados
seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas e mais nuas.

"Entre o ser e as coisas"
Carlos Drummond

domingo, 29 de abril de 2012

imagens desse quilate sangram em meus ouvidos

eu indagava

o que é que me movia
o que é que incandescia
o que é que me inflamava

convulsionava
o avesso
da moção

(eu era inerte
e perdurava como morto

água gelada
despejada
em minha nuca)

as atrocidades
além das cortinas
dos nossos lares

(e ao pé
dos abajures)

o pulsar de um grito
relampejante na escuridão
de uma manhã de sol
rachando o asfalto

o breu explodia
para num sopro turvo
encobrir a luz

a ranhura insistia em pilhar
meus ouvidos
enquanto tantos se faziam
surdos
afeitos à balbúrdia
e ao engalfinhar
de tantas feridas

(cegas
medonhas
sem saber
de si)

desprovido de pálpebras
eu enxergava ainda
num lacrimejar
incessante

relatando
infâmia
e piedade

tropeçando em rotos
e mutilados
em espelhos quebrados

ladeando o humano
indevassável

(eu morreria como fosse

diluviano na seca
consumido em estalos

inscrevendo
em meu epitáfio
partitura de alerta

caligrafada com o sangue lasso
dos meus tímpanos graves)

2 comentários:

Gelly A. disse...

Esse poema, se acabasse no título, já seria lindo. Mas não acabou - que bom!

Anônimo disse...

"imagens desse quilate sangram em meus ouvidos"

Impressiona quando percebemos que ha imagens que gritam e sangram aos ouvidos das nossas almas.
Passar tudo isso para palavras, só pode ser um dom.Nem se tratará apenas de talento, sequer.
Divinalmente aqui são retratadas "imagens desse quilate" e com tanta poesia...