N'água e na pedra amor deixa gravados
seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas e mais nuas.

"Entre o ser e as coisas"
Carlos Drummond

domingo, 27 de junho de 2010

O poeta vagabundo

Douglas McFarlan era um aficionado pela sétima arte. Herdeiro de uma vasta fortuna, sempre teve condições de bancar sua paixão. Colecionava filmes, possuía milhares deles.

Entrou na faculdade, passando no último lugar. Não deu certo. Suas sessões noturnas de cinema em casa não acabavam antes das seis. Tomava um banho, mas não conseguia evitar o sono que lhe crescia como uma bola de fogo. Todos os professores o expulsavam eventualmente.

Largou tudo. A família logo se opôs. Não demorou, veio a depressão. Meses no quarto, sem sair nem para comer. Se não levassem, morreria de inanição. "Vamos ao médico", diziam os parentes quando ele destrancava a porta. Não queria saber de nada. De ninguém. Só de cinema. Assistia uma fita atrás da outra. Não parava para se alimentar, com um olho na comida e o outro na tv. Só dormia se estivesse no meio de um filme.

Mas a luta pela solidão seria mais árdua. A pressão aumentou. Falavam agora em internação. Douglas estava calmo. A decisão se formara nele ao longo de todos aqueles meses. Às quatro e meia, tomou um táxi rumo à rodoviária. Pegaria o ônibus às seis, para longe, longe dali. Em uma metrópole anônima, faria de rua e poesia o seu ganha pão.

Um comentário:

l. f. amancio disse...

Para um aficcionado por cinema, sair por aí e viver uma vida comum deve mesmo ser difícil. Só de não ter trilha sonora a realidade sai perdendo de goleada. Sem contar que demora demais, a vida cansa, enquanto um filme tem, em médio, eficazes duas horas...
Mas é óbvio que ficar comparando não é uma boa idéia. Não temos opção, precisamos seguir nossas rotinas enfadonhas e dar a elas algumas pinceladas de cinema (ou literatura, música...) para ficar mais interessante.
O Douglas não deu conta. Talvez, tenha saído para viver a sua aventura de cinema.