N'água e na pedra amor deixa gravados
seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas e mais nuas.

"Entre o ser e as coisas"
Carlos Drummond

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

A febre

Seus olhos vãos
não me querem mais;

não seriam vãos
se me quisessem ainda.

Não me servem de nada
agora, sob os pingos vigorosos
que mancham minhas lentes
de contato descoloridas.

Você foi como um corpo
estranho em meu sangue,

a dose derradeira
do puro malte escocês
depois de um porre
de aguardente vadia.

O álcool nunca pôde
com nossa sensatez obstinada,
furando cerdas em tecidos
esgarçados,
encouraçados pavios em flamas
derretendo cera quente
em umbigos desgarrados.

Agora espero meu corpo
renunciar ao ardor,
anticorporar
tudo o que de você
me resta ainda,

e seus olhos vãos,
como é vão o centro do oceano,
para sempre inacessíveis,
flutuarão à deriva,
além dos horizontes.

2 comentários:

Anônimo disse...

Finalmente to conseguindo comentar :) o/
Bom, logo de cara eu me lembrei de uma música lendo o sua poesia, "Atrás da Porta". Não faço ideia do porquê.

Eu queria dizer uma coisa faz tempo: sempre gostei desse negócio de ecos. Acho lindo.
bjos!

Gelly A. disse...

Vou comentar apenas este poema, mas também me encantaram os outros, os últimos, porque incorporam esse prazer da leitura do poema, que é a fluência da breve horizontalidade. A gente cai de um verso para o outro com muito mais leveza do que na transição de frases na prosa.
Mas este poema... este "anticorporar" você, a multiplicidade do "e seus olhos vãos"... Meu Deus!!!
PS.: Concordo com o Anônimo: também acho lindo isso dos "ecos".