Foi melhor assim, pensou Marisa enquanto abria o maço dos cigarros
que Joalvo não suportava. Arrancou o papel cinza que os envolvia e, por
força do hábito, aspirou profundamente o cheiro inebriante do tabaco.
Era tudo o que se permitia fazer desde que fundira ao dele o seu
endereço. Retirou um cigarro, colocando-o, com movimentos lentos, na
boca entreaberta, e, com o isqueiro antigo, que ganhara de outro homem,
num passado tão remoto que ela não conseguia ligar ao presente, acendeu a
ponta, sugando calculada, mas vigorosamente, a fumaça através do filtro
branco.
Viu os olhos dele. Olhos vivos e desolados,
ao contato das suas palavras de despedida, do seu perfume agridoce, da
sua face incólume. Não parecia haver restado traço algum do brilho úmido
que tantas vezes havia gerado neles. Olhos secos. Agudos. Impotentes
diante da resolução inabalável, consequência furtiva da ação de uma
criatura dissolvente e imaterial que, sob relances míopes e tímidos,
nascera às escondidas e ganhara aos poucos dimensões consideráveis,
conduzida pelo balanço das vontades, tomando o leme de assalto e, num
sopro mais forte que ameaçava revolver as águas, sussurrava aos seus
ouvidos que era hora de aportar.
Uma lágrima escorreu
solitária e se encontrou, na língua, com o cigarro, levando-a à ideia de
uma inalação do fluido que é o símbolo e o resultado de uma emoção
intensa e carregada de sentido. Quis a descida de mais uma, mas a
serenidade já a dominava. Sem abandonar a beleza dos olhos de Joalvo,
deu a última tragada.
Nunca mais o veria. Mas
prometeu-se, como fidelidade ao enlevo sublime que a elevara sem enganos
à face mais calma do deleite, que a arrebatara por todos aqueles anos,
tão sutil e tão definido, tão inteiro e tão gratuito, a um só tempo
contido e transbordante, jamais esquecer os seus olhos.
Um comentário:
"Guardo dentro de mim seus olhos"... lembra?
Esses fins são sempre incrivelmente tristes, mas, ao mesmo tempo, geram textos assim, belos.
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